Palcos há muitos, só não há é condições.

03-06-2024

Palcos há muitos, só não há é condições.

Quantas vezes já chegaram ao local do vosso espetáculo para se depararem com condições precárias?

 

Palcos sem a mínima segurança, equipas técnicas sem vontade de fazer o seu trabalho e até sem o mínimo de condições logísticas para uma atuação digna.

 

Devemo-nos sujeitar? Devemos aceitar novamente convites de tunas que não garantiram o mínimo dos mínimos para que o seu festival, ou encontro, fosse aceitável? Quem fala de tunas fala de outras entidades que teimam em ver as tunas como uma solução barata, rápida e eficaz para cobrir uma qualquer carência cultural dos seus eventos.

 

As tunas são grupos culturais compostas, na sua larga maioria, por músicos amadores e outros apaixonados pela componente musical e lúdica deste tipo de ajuntamentos. No entanto, isso não dá o direito a ninguém de nos tratar como amadores e de não garantirem o mínimo do que garantiriam a um músico profissional, convidado para atuar nas suas casas.

 

No último ano tive o privilégio de poder pisar algumas das maiores salas de espetáculo do país, tanto como convidada como colaboradora do evento. Deparei-me com algumas situações que me levaram a escrever este artigo de opinião:

 

Vi palcos sem espaço para acolher a dinâmica habitual de uma tuna, sem qualquer aviso prévio por parte da organização, de modo que os grupos pudessem adaptar o seu espetáculo ao que os esperava.

 

Vi equipas técnicas contrariadas e a fazer um péssimo trabalho por sermos de uma tuna. Zero dedicação no soundcheck e com tempos de teste a roçar quase o tempo que leva uma tuna a entrar em palco e a preparar-se para atuar.

 

Equipas a virarem-se para os grupos convidados e a maltratarem-nos diretamente, achando que ficariam impunes. A verdade é uma: se não falarem, vão ficar. Por isso, reportem sempre esses casos à organização ou, posteriormente, por email para a direção da sala que acolheu o evento. Mas não deixem de falar.

 

Trabalhar o som de uma tuna em palco é difícil e são poucos os que são efetivamente capazes de o fazer. Escusam de vir com o “já trabalho nesta área há 18 anos”, como ouvi no último festival em que participei. Parabéns, até pode trabalhar, mas continua a não perceber nada do que é fazer som ou trabalhar com uma equipa grande de artistas. Amadores ou não. Tunas ou Antónios Zambujos desta vida.

 

Vi festivais a não fazerem o mínimo dos mínimos, tanto no que se refere à alimentação dos convidados, às condições muito precárias dos alojamentos proporcionados, como até à ausência de soluções de transportes para distâncias de alguns quilómetros, a serem percorridas sem sequer uma carrinha de apoio para instrumentos. Soa-te familiar?

 

Qualquer tuna tem o desejo que o seu festival, ou encontro, seja reconhecido pelas melhores razões. Pelo menos, assim o espero. No entanto, porquê é que isto parece ser cada vez mais difícil de se conseguir?

 

Querem fazer um espetáculo anual? Perfeito, mas garantam uma cama aos vossos convidados e se não a conseguirem, pelo menos façam por conseguir colchões. Mesmo assim é difícil? Bem, garantam então um local limpo, com condições térmicas de acordo com a altura do ano e garantam que, no convite, vai pelo menos o aviso atempado sobre as condições que nos esperam. Ou depois não se admirem de as tunas deixarem cair a participação no vosso festival “em cima da hora”.

 

Querem fazer um espetáculo anual? Ótimo. Mas não alimentem os vossos convidados à base de uma bifana, na loucura duas, ou uma fatia de pizza por pessoa. Amadores ou não, somos vossos convidados. Façam por sairmos da vossa casa com a melhor das impressões. “Ah isso é fácil de dizer porque não és do Porto ou Lisboa.” Não, não sou. Mas vejo uma equipa dedicada todos os anos a trabalhar para oferecer as melhores condições a quem nos visita, a começar uma organização de festival nem dois meses depois de outro ter acontecido, a ir vários fins de semana atuar numa ronda de restaurantes para fazer dinheiro, a trilhar as ruas da nossa cidade nas épocas de maior enchente para ganhar mais uns trocos, a aceitar vários convites que levam a que sejamos verdadeiras malabaristas de agenda para garantir que, todos os que nos visitam, saem satisfeitos e a querer voltar.

 

Toda a gente conhece a realidade das grandes cidades. Alojamento cada vez mais caro, onde até nas pensões mais reles já se cobra 30 euros por pessoa. Acreditem, nós compreendemos. Mas será que não chegou o momento de alguns festivais anuais deixarem o orgulho de lado e passarem a bianuais?

 

Mesmo assim estão com dificuldades em conseguir trazer tunas de fora e a garantir-lhe uma sala condigna, cama e pelo menos uma refeição por dia que efetivamente encha o estômago? Bem, ninguém vos vai levar a mal que adiem mais um ano. Ou outro.

 

Sabemos que palcos há muitos, mas as condições, essas, é que não são lá muitas. Até quando vamos continuar a ignorar?

 

 

Adriana Couto