XXVIII CeLTA: Tudo sobre, aqui!
15-12-2023
Entra-se em Dezembro e antes do Natal, por muito que a Mariah Carey tente, a nossa mente foca-se logo no CeLTA.
A Azeituna é uma das poucas Tunas capaz de prometer um festival dois dias seguidos de atuações brilhantes de Tunas, já para não falar de constituir um dos parcos festivais que desafiam as Tunas a redefinirem a sua atuação à volta de um Tema - e tudo isto numa sala com é a do Theatro Circo. Como é que se perde uma coisa destas?
O tema deste XXVIII CeLTA é “Volta ao Mundo”, e desengane-se quem pensou que as Tunas só iriam trocar um dos seus temas-bandeira por um mais diferente: as atuações deste CeLTA vão ser usadas doravante como exemplos de que é possível, por muito que os Velhos do Restelo continuem a negar o seu sentido, de as Tunas tocarem temas em línguas para lá das nascidas na Europa do Sul. A Volta ao Mundo foi muito literal e portanto linguisticamente rica - como aluno de Letras, deliciou-me. Outra coisa não faria sentido.
Nesse sentido, cabe-nos logo à partida dar os parabéns à Azeituna pela escolha de um tema tão bem concebido: não só é amplo o suficiente para não ser um garrote, como se afigura como um desbloqueador criativo, permitindo às Tunas aproveitar esta licença criativa para navegar novas águas sem serem acusadas de estarem a promover a deturpação do ADN da “Tuna”, ou a criar precedentes para se largarem as línguas ibéricas. Um Tema deste calibre só tinha potencial para gerar um grande fim-de-semana, e foi o que sucedeu.
A Azeituna abriu e fechou o festival, tendo tocado logo o tema homónimo ao festival, o instrumental “Celta”. Após a abertura, tocaram uma celebração da sua recente tournée ao México, com “México en la Piel”, escrita por José Espinoza. Depois dessas duas canções, a Azeituna chamou o Coro Académico da Universidade do Minho para tocarem em conjunto “Minas com Bahia”, de Daniela Mercury e Samuel Rosa, do álbum fabulosamente intitulado Feijão com Arroz, seguida de “Cantares”, de Joan Manuel Serrat. Terminaram, após a saída do Coro, com “Vais Partir”, de Clemente, notável pela coreografia de pandeiretas e capa que a Azeituna apresentou. • Percurso: Portugal, México, Brasil, Catalunha, Portugal.
A primeira Tuna a concurso a enfrentar o palco do CeLTA foi a TAIPCA - Tuna Académica do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, que deu o mote com “Mr Sandman”, de Vaughn Monroe, e escrita por Pat Ballard, numa performance energética mas com muitas arestas por limar. A música seguinte foi “Quizás, Quizás, Quizás”, de Osvaldo Farrés, que depois se transformou em “Oye Como Vá”, de Tito Puente. Esse tema deu depois lugar ao instrumental “Receita de Samba”, de Jacob do Bandolim (lido à americana…), e depois ao mais recente original da TAIPCA, “Nobre Lenda”. A atuação terminou em alta, com uma performance de “Baba Yetu”, de Christopher Tin, uma canção em suaíli. • Percurso: Estados Unidos da América, Cuba, Brasil, Portugal, África do Sul/Estados Unidos da América.
De seguida, a cortina revelou a Estudantina Académica de Lisboa, que deu início com “Não Vás para o Mar, Homem”, com música de Carlos Alberto Moniz e letra de José Jorge Letria, e seguiu para uma tarantella italiana como peça instrumental, com direito a pandeiretas trajadas de forma evocativa do tradicional italiano. Seguiu-se Ennio Morricone, primeiro com uma versão despida de “L’uomo dell’armonica” com um momento de solo de harmónica ao centro do palco, e depois com um bonito a cappella de “Your Love”, a versão cantada do famoso tema do filme Aconteceu no Oeste. Terminaram com uma performance de “Fiesta de San Benito”, canção tradicional chilena, seguida de mais um trecho da obra “Macau, Um Sonho Oriental”. • Percurso: Portugal, Itália, Estados Unidos da América, Chile, Portugal.
Após o intervalo, aconteceu aquilo que se esperava: a Tuna Universitária do Porto subiu ao palco e abriu com “Timor”, de Luis Represas. Depois desse momento que não poderia não acontecer, seguiram para “Mar Azul”, de Cesária Évora, em crioulo. Os temas seguintes foram da hispanidade: o instrumental: “Libertango”, de Astor Piazzolla, e de seguida “Bolero a Múrcia”, da autoria de Francisco de Val, e terminaram com “That’s Amore”, canção popularizada por Dean Martin. Antes de aceitarem o fecho da cortina, a TUP tocou ainda um curto vira minhoto com direito a dois bailarinos. • Percurso: Portugal, Cabo Verde, Argentina, Espanha, Estados Unidos da América, Portugal.
Para terminar o primeiro dia, houve a atuação dos padrinhos da Tuna Universitária do Minho. Como já vem sendo de praxe, esta começou com uma música em jeito de brincadeira com a Azeituna interpretada pelos caloiros da TUM, numa paródia de “Minha Música”, que tem sido uma habituée no repertório da Azeituna há alguns anos. Depois a atuação propriamente dita começou, com o original “Alborada Minhota”, que transitou para “Sonho”, esta uma adaptação de uma canção popular galega, mas cantada em português. De seguida, houve tempo para “Silencio”, uma versão da canção de Rafael Hernández, popularizada pelos Buena Vista Social Club. De seguida, houve uma interpretação de uma canção italiana, “Funiculì, Funiculà”, de Luigi Denza e Peppino Turco. Antes de terminarem, tocaram a incontornável “Partizan”, um medley de música balcã; finalizaram depois efetivamente com “Terras de Portugal”. • Percurso: Portugal, Galiza, Porto Rico, Itália, os Balcãs, Portugal.
O dia de espetáculo de sábado abriu com uma pequena apresentação de stand-up pelo Azeituno “Perca”, magíster da tuna anfitriã, que contou com anedotas “frutadas” e extremamente bem conseguidas (fontes - mais ou menos- confiáveis verificaram que o cerne da anedota é verídico e aconteceu algures na noite anterior).
De seguida, o espetáculo avançou para a apresentação da Estudantina Universitária de Coimbra que, num movimento ousado e surpreendente, decidiu deixar o seu repertório mais tradicional a fazer companhia à Cabra e apresentou, à moda do tema, uma viagem diversificada ao público do Theatro Circo. Esta começou com “Shosholoza”, um tema sul-africano deveras bem interpretado, pautado de ritmos tradicionais dessa zona do globo e um trabalho de vozes interessante. Deixo em nota de apreço a criatividade do grupo em percutir com os próprios instrumentos de cordas, dando uma densidade diferente à música. A atuação continuou com o tema “El Condor Pasa”, uma adaptação instrumental inspirada na música dos Andes. Muito enérgica, bem interpretada, com qualidade melódica e técnica. Com o fim do tema, rumamos ao Mar do Caribe, onde descobrimos, pela voz de um solista imaculadamente talentoso, carismático e afinado, a beleza de “Dos Gardenias”. Este mesmo solista mal teve tempo de pousar o microfone, já estava a correr para a música de pandeiretas. Esta remetia novamente à Estudantina que conhecemos e adoramos (com saudade de casa e louca de amores pelo Mondego), e, mais uma vez, muito mexida, com boa interação com o público e um trabalho bem organizado de frente de palco. A atuação terminou com um bailinho do minho de agradecimento à cidade de Braga. • Percurso: África do Sul, Peru, Cuba, Portugal.
O espetáculo seguiu com a TUIST. Após explicar os “procedimentos de segurança” da “avioneta Theatro Circo”, a tuna levou-nos ao coração do “País do Amor” com o tema “Sous le Ciel de Paris”. Este tema adornou, como introdução, o tema da nossa Amália Rodrigues “Lisboa não sejas francesa”. Destaque para o trabalho técnico das pandeiretas e para as fitinhas com as cores da França e, mais para a frente, com as cores italianas (pormenor interessante). De seguida, a TUIST levou-nos em homenagem à terra da recentemente falecida Sara Tavares, Cabo Verde, num tema de solista, cantado em criolo e recheado de paixão. Entre notas de humor, quartetos de acapella e sátira, típicos da relação íntima que existe entre a TUIST e a Azeituna, a atuação seguiu com um instrumental recheado de cultura brasileira. A performance foi de um nível técnico completamente surpreendente, com uma qualidade milimétrica, demonstração de talento impressionante pela parte dos bandolins solistas e dos guitarristas e uma prova de resiliência pela parte do coitado a quem foi atribuído o pandeiro (estamos contigo, irmão!). Da América do Sul passamos para a América Central e, desta última, rumamos diretamente ao delírio com a performance exímia do solista em “Malagueña Salerosa”. Para além do controlo vocal completamente fora da curva, da afinação, do poder vocal e da emoção transmitida, os vibratos e os falsetes foram de cortar a respiração a quem ouviu. Para fechar com chave de ouro, foi-nos apresentado um medley de música tradicional italiana que, numa nova nova energética, cheia de vida e cor, concluiu a atuação desta que foi a tuna vencedora do prémio de “Melhor Tuna”. • Percurso: França, Cabo Verde, Brasil, México, Itália.
Para terminar o plantel de tunas a concurso, a Desertuna, começou a sua viagem em palco da mesma maneira que começou o festival, vinda da “Covilhã”, tema ex libris que nunca desaponta e que não falha em encantar o público, tanto pela doçura e homenagem que transmite, da destreza e precisão dos estandartes e pandeiretas, como pela quantidade de rosas oferecidas. Da alta e fria “Cidade Neve”, fomos convidados a seguir viagem com a Milu, a raposa mascote da Desertuna, para o seu instrumental “Macau e Bagdá”. Com este tema, fomos transportados para uma muito bem conseguida liga metálica entre sonoridades orientais, com direito a Dragão Chinês, sombrinhas e performances muito bem executadas de estandarte. De seguida, fomos transportados para uma nova aparição de “Shosholoza” que, apesar de ser repetida neste festival, foi interpretada de uma maneira completamente diferente e introduzida com uma performance rítmica de pandeireta, muito característica da Desertuna e sempre impressionante. Para finalizar, apresentaram o tema “New York, New York”, imortalizado pelo grande Frank Sinatra, e muito bem interpretado, quer pela tuna, quer pelo solista, trazendo uma lufada de jazz fresco e vibes cosmopolitas ao Theatro Circo. Como última nota, deixo a forma interessante de interpretação do tema, utilizando vestimentas características dos países que a tuna se propôs a apresentar (chapéu chinês, poncho sul-africano, fato informal com suspensórios). • Percurso: Portugal, África do Sul, Estados Unidos da América.
O XXVIII Celta terminou tal como começou, com a Tuna Anfitriã, que, com o seu azul celeste e a Deusa Harpa como guia, abriu a sua segunda atuação com “Palpitações”, um tema original que foi dedicado ao falecido ex-reitor da Universidade do Minho e Tuno Honorário da Azeituna, António Guimarães Rodrigues. Tal como tinha acontecido com a música de abertura, a Azeituna trouxe novamente um tema do baú, mais um original, “Suevos”, muito bem interpretada e emotiva. Mais uma vez relembrando a sua digressão deste ano ao México, e pela voz do Tuno “Zazá”, a Azeituna voltou a presentear-nos com “México En La Piel”. Um arranjo muito bem feito, com trabalho instrumental brilhante, com uma linha de violino solo linda e muito bem executada (como de costume) pelo Tuno “Bengala” e com uma uma energia contagiante que, tal como diz na letra, “ se siente México”.
Após a entrega dos prémios, a atuação da Azeituna continuou com um tema já do público conhecido, “Meia Lua Inteira”. Muito mexido, carismático e com um surpreendente solo de rap no meio da música. Para finalizar mais uma magnífica edição do CELTA, a atuação acabou com uma interpretação conjunta com o público, de um modo “à la Azeituna”, com “Country Roads”.
Como balanço final do festival, e como opinião pessoal, foi provavelmente o melhor festival que já tive oportunidade de ouvir, com performances monstruosas de todos os concorrentes e convidados. Foi um completo carrossel de emoções, com solistas maravilhosos, temas diversificados (mesmo quando repetidos) e noites de folia e boémia até às tantas sempre em convívios quentes, como a Azeituna nos tem habituado ao longo destes tempos.
José Pedro Rodrigues e Ivo Mesquita