Notas sobre Tradição Tunante

16-11-2009

Notas sobre Tradição Tunante
É, porventura, um cliché falar-se em Tradição no seio da comunidade Tunante (ou, generalizando, na comunidade estudantil universitária, vulgo Praxis).

Contudo, de há uns anos a esta parte, tem esta noção sido alvo de reinterpretações ou malabarismos conceptuais que têm fornecido contornos de dúbio entendimento nos menos avisados e criado um certo precedente erróneo e pernicioso.


É comum assistirmos a alguns arrivistas e tunos de ocasião (que não têm outro nome) a distorcerem, propositadamente, a ideia de Tradição Tunante, com o fito único de poderem justificar práticas artificiais, as quais, eles próprios, esperam ver reconhecidas como tradição.
Um dos lugares comuns desses ideólogos (ou idiotas, em linguagem familiar) é a do repúdio do passado, como se estivesse fora de moda, asumindo-se arautos de um futuro que, nesse prisma afunilado, durará apenas o tempo de outros o darem como ultrapassado e decrépito.

Ao abrigo do chavão da "inovação", e numa incoerência grosseira, colocam em causa a validade de um legado, substituindo a matriz identificativa da Tuna por enxertias, e colagens forçadas, de idiotice, achando os demais papalvos a ponto de comerem, e calarem.
Mas acham muito bem, afinal a larga maioria da comunidade é constituída de papalvos, sejam os que o são "tout court", sejam os demais que, por consentimento (provindo de uma passividade feita "nacional porreirismo" e, geralmente, de uma profunda ignorância e iliteracia em assuntos nos quais esperaríamos outra excelência e saber em gente superiormente letrada), por passividade ou ou falta de verticalidade assumem esse papel.

É verdade que a Tradição contempla a própria mutação e transformação, numa diagese evolutiva natural (excepto nas grandes cisões, mas daí resultando algo totalmente díspar e com outro nome e configuração), algo totalmente diferente da actual moda tunante de criação de novas tradições que colidem, não poucas vezes, com algo já exisente, e a que certos "iluminados" ainda têm o descaramento de achar que ainda cabe no modelo anterior e no conceito genuino de Tuna.
Não provocaria agitação se as novas ideias viessem preencher espaços vazios ou fazer um verdadeiro upgrade qualitativo, mas o que se passa é que, umas vezes por ignorância, outras por evidente má-fé, há quem se ache no direito de deitar fora uma identidade, substituindo-a por algo que vem descaracterizar e delapidar a própra razão de ser, e existir, do conceito, do património genético, e secular, que justifica a denominação Tuna (e todos os traços distintivos e caracterizadores desta cultura).

Por Tradição se entende o conjunto de doutrinas e práticas que constituem um património, uma memória colectiva e um legado de um determinado grupo, comunidade (ou sociedade), transmitida geracionalmente - com o intuito de conservar esse mesmo património e tradição, como traço identificativo e caracterizador dos indivíduos (do grupo) que intervêm na sua vivência e transmissão.

Assim sendo, a primeira função da Tuna é retratar um conceito e património; acto que, por si, implica a sua preservação e promoção enquanto cultura, enquanto património......enquanto Tradição (imutável no essencial).
Mas porque a Tuna é espelho da realidade social, é natural que, amiúde, se vá enriquecendo, muitas vezes incorporando novos traços e práticas. Veja-se, por exemplo, os muitos ritos que transitaram da Praxe Académica para as Tunas (e vice-versa).
Mas uma coisa é o upgrade natural outra é o artificialismo inventado e pregado à força, à custa da delapidação e abandono dos traços que são essência e identidade da Tuna.

Há boa gente que, à falta de saber e competência (e vontade em saber e conhecer), prefere preencher os seus vazios intelectuais com neo-invenção e idiotices de voláteis modas, achando-se proprietários do conceito Tuna, quando deveriam perceber que são apenas fiéis depositários (e, neste caso, é ver que alguns preenchem muito mal esse papel).

Nada contra a inovação, conquanto essa não se faça à custa do essencial. Mas o problema é que demasiada gente, que se cognomina e se acha Tuno, nem sequer sabe o que é o essencial, o que é Tuna, qual a sua história e em que assenta a sua identidade e diagése. Daí ao travestir da Tuna, por mão de certos malabaristas e ilusionistas de ocasião ou de especialistas na contrafacção tunante (de que resultam "tunas a martelo") é um passo (já dado, como se pode verificar, desde que olhando com olhos de ver).

Mas que é isso, afinal, de tradição?
Começaríamos, antes demais, por perceber que podemos emprestar, a esse substantivo, a ideia de que pode ser considerada tradição uma prática com 20 anos, tal como outra com 100. Mas, tratando-se do mesmo contexto, neste caso Tunas, deveremos atentar para a hierarquia e peso de cada uma. Nem sempre o que perdurou mais é de reter (como a história no lo provou várias vezes), mas em assuntos tunantes, falta, sem dúvida, uma qualidade que parece não passar de ténue utopia: o respeito.
Respeitar um legado anterior, neste apartado das Tunas, terá sempre mais validade do que uma "inovação" com 3/4 de mês que "passa por cima de toda a folha", mesmo que disfarçadamente.
No caso português, não esqueçamos que a Tuna sofreu um interregno longo (salvo o caso da TAUC, TUP e Tuna do Liceu de Évora que, grosso modo, continuaram a retratar as práticas e traços das tunas do séc. XIX e inícios do XX), e que apenas o país vizinho (verdadeira pátria das Tunas e alfobre da Tradição - que nós importámos) continuou a fazer caminho, onde se regista, na vigência do S.E.U. (no longo reinado do Caudilho, generalíssimo Franco) a grande formatação e upgrade da Tuna Universitária.
O nosso boom acaba por ser como que uma máquina do tempo que atalha, e contorna, cerca de meio século de diagese tunante, sendo por isso natural que o modelo basilar fosse não o do primeiro grande movimento tunante do séc. XIX, mas a cópia do modelo já alicerçado, formatado e evoluído que as tunas do país vizinho prefiguravam nos anos 80 e 90 do século passado.

O que já não parece assim tão natural é que, em 2 décadas, tenhamos dado tanto gaz à máquina temporal que até nos achamos legitimados para cenários de pseudo-inovação futurista.

Tradição existe, não tenhamos dúvida, embora subdividida em 2 grandes grupos:

a) A das estudantinas e tunas do séc. XIX e inícios do XX.
b) A das Tunas Espanholas, à época do boom, as quais, pronvindas da mesma tradição da alínea anterior, prefiguram uma nova matriz iniciada sob o Franquismo (traje, certames, baptismos, apadrinhamentos, postura de pé.....), sem contudo abandonar o essencial do seu legado centenário.

É essa cultura, essa tradição (e todos os traços que conferem legítima,e legitimadora, identidade) que constituem o pratrimónio a ser retratado, preservado e promovido em primeira, e imperativa, instância, antes de nos acometermos a adornar, reinterpretar ou armarmo-nos em aprendizes de feitiçeiro.
Baterias, saxos, sapatilhas, patins, calções às bolinhas......são pseudo-inovações que, olhando ao tudo aqui dito, e pela forma como são "amarteladas", e justificadas, não passam de idiotices redondas que não possuem sustentáculo histórico e musical algum, em termos de tradição e conceito tunante.

É esse património, essa tradição identificativa, que a próprio UNESCO incentiva a que seja preservado, respeitado e divulgado; uma preocupação já desenhada em 1989, quando adopta as Recomendações para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e do Folclore, e que, em 2003, resulta na Convenção para a Salvaguarda do Patrimínio Cultural Imaterial, a qual entre em vigor em 2006, e que Portugal ratificou em 2008.
(ver Comissão Nacional da UNESCO).

No caso das Tunas, estas inserem-se no estipulado nessa convenção quanto ao respeito pelo património cultural imaterial das comunidades (como é o caso da Tunante), a qual se manifesta nas tradições orais,incluíndo a língua (castelhano e português. dado ser fenómeno ibérico) como vector do património cultural imaterial.Dessa noção, fazem parte, entre outros, segundo a dita convenção, os instrumentos, o traje, as práticas sociais, rituais e eventos festivos.

Uma coisa é certa, assitimos a inúmeras tentativas de delapidação patrimonial, quase sempre emnome de interesses comerciais ou competitivos (e nunca no interesse da Tuna como cultura e legado), um pouco aojeito da idiotice de por a "popota" como novo ícone representativo do Natal, dançando Kuduro ou rumbas natalícias.
Que foi feito das Renas e das tradicionais canções de Natal?
Que o Pai Natal já tinha açambarcado o papel de distribuir presentes ao Menino Jesus, já sabíamos. Menos mal, que era uma ajuda sempre bem-vinda.
Que já se tornava caricato que muitos nem se lembrassem que o Natal era a celebração do nascimento de Jesus (cuja figura se desvanecia perante a do gordinho avermelhado das barbas brancas), já nós sabíamos.
Agora hipopótamos como ícone Natalício? E por que não o Dumbo?
Se a "Popota" pega, daí a trocar-se a narracção bíblica pela do filme Madagascar 2 é uma questão de tempo.

Dá vontade de expressar um sorriso (sarcástico, irónico, o que seja - escolha o estimado leitor), mas é isso mesmo que alguns fizeram (ou tentam fazer), nas devidas assimetrias, à noção de Tuna.

Nem todas as tradições são boas, nem todas podem parar no tempo.
No caso tunante, por que não começar por abolir a tradição da ignorância autista e do neo-inventismo?

Fica a reflexão.
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