Em Linha com....Jean Pierre Silva

19-12-2011

Em Linha com....Jean Pierre Silva

O PortugalTunas foi, desta feita, até Lisboa, entrevistar um dos mais conhecidos tunos da praça, co-autor do 1º livro português dedicado ao fenómeno tuneril nacional -e não só. Desde a sua Viseu até hoje, um percurso de rara dedicação à Tuna.....

 

 

[ PortugalTunas] Como co-autor de um estudo profundo em forma de livro - o "Qvid Tvnae" - que conclusões te apraz retirar dessa mesma investigação? Valeu a pena ir mais longe?

 

[ JPierre Silva ] Foi um trabalho de enorme minúcia e algo desgastante, mas extremamente motivador. Um labor que obrigou, inclusive, a mudar um pouco os hábitos quotidianos, com a criação de novas rotinas e horários, de acordo com as idas regulares aos arquivos, bibliotecas, fundos diversos e, naturalmente, o tempo dedicado ao tratamento dos dados e redacção - muitas vezes "em directo", via telefone, chat ou vídeo-conferência, com os outros 3 co-autores.
Não posso negar que a adrenalina que se sente, a cada nova descoberta, nos faz como que entrar na pele de alguns personagens cinematográficos, aventureiros com um pé na biblioteca e, outro, no local de escavação.

O que se retira desta emocionante aventura foi a de ter aberto uma caixa de Pandora e que há, para além do muito que agora se descobriu, uma enorme quantidade de dados a necessitarem de, também eles, verem a luz do dia.
Valeu a pena, pelo enriquecimento e experiência que obtemos directamente, certos do contributo que a obra pode dar a toda a comunidade tunante (e demais curiosos deste fenómeno).

 

 

 

Até que ponto é pertinente a edição de um livro sobre Tunas estudantis em Portugal? Ou seja, será que esta obra de autor(es) terá mais repercussões para lá do seu próprio habitat?

 

Pertinente era, desde logo, porque não existia nenhum estudo ou obra que fizesse esse apanhado. Existiam, é verdade, alguns estudos/livros, mas dedicados exclusivamente a uma realidade/caso, como são disso exemplo as várias obras sobre a TAUC. Salvo o "Tunas do Marão", que só muito ao de leve aflora as tunas de cariz estudantil, nada se fizera até agora que possibilitasse fazer memória e promover esta secular tradição.
Por outro lado, a constatação da enorme falta de conhecimento, a começar pelos próprios, sobre o passado - que levou, paulatinamente, à instalação de mitos, de inverdades feitas dogmas, do ficcionar e, mesmo, do inventar a metro.

Pertinente, pois, no intuito de contribuir para uma informação credível (assente em provas documentais) e, consequentemente, para uma formação mais sólida de quem, em primeira instância, tem obrigação de saber sobre aquilo que pratica.
Certamente que a obra terá repercussões fora do habitat tunante, suscitando o interesse dos estudantes em geral, dos que gostam (e mesmo detestam) tunas, sem esquecer os diversos estudiosos e curiosos das tradições estudantis, dos historiadores, musicólogos, etnólogos e, naturalmente, sociólogos (área onde muito há para explorar).

 

 

 

Olhando para o que foi estudado e compreendido, como vês então a evolução - ou não - do actual espectro tuneril português? E já agora, como vês o mesmo panorama no país vizinho, hoje?

 

Comparar será exercício que, muitas vezes, quase cai numa verdadeira antonímia, de tão distantes (e por vezes opostas) as formas de conceber e viver a condição tunante.
Note-se, por exemplo, o facto de, no séc. XIX e inícios do XX, uma grande parte da actividade das tunas ocorrer durante os festejos de Carnaval (quadra por excelência das aparições públicas) - contrastando com a actualidade onde as Tunas estão paradas; mas também os concertos de beneficência - que nos dias de hoje são raros (embora, com o adensar da crise, muito provavelmente venham a ser mais valorizados). Assim, nos antípodas da agenda das tunas de antanho, temos hoje a Tuna confinada à lógica festivaleira, a qual absorve a quase totalidade da sua actividade e ensaios.


Muitos afirmam que isso trouxe o condão de promover a melhoria da qualidade musical, contudo, e comparando com os que se verificava há 100 anos atrás, sabemos que as tunas de outrora se destacavam, também elas, pela sua enorme qualidade musical (como o atestam os periódicos da época, ou pelas partituras dos temas executados, então), sem contudo terem a "cenoura" dos prémios na vitrine.


Fica, pois, esta questão, entre aquilo que, no passado, parece ser a procura de qualidade pelo simples gosto de bem-fazer, e o que hoje é a qualidade impulsionada mais pela competição, peloo parecer, do que pelo ser; onde se procura o reconhecimento quase só no elenco curricular, pelo pedigree, pelo nº de vezes em que se foi melhor que as congéneres.
Evoluiu, ou mutou, a meu ver, a razão de tunar, e não necessariamente pelo caminho ou motivo mais correcto.


Já em Espanha, me parece a Tuna mais perto das suas raízes, mais preocupada em preservar um modelo, um paradigma e a genuinidade. Essa ortodoxia, que também trouxe estagnação e redundância em termos musicais, teve, pelo menos, o bom-senso de não descaracterizar e, assim, de respeitar um legado (que subsidia as condições para falarmos em tradição). Em Espanha é mais fácil identificar uma tuna (porque se regem, todas, por regras comuns que balizam a sua identidade enquanto tal), do que em Portugal (a começar pelo traje e terminando no leque de instrumentos utilizados).


Seja como for, não é menos verdade que o fenómeno Tuna também sofre, do lado de lá da fronteira, das mesmas dificuldades de renovação geracional, contudo é uma cultura mais sólida e capaz de resistir, como no lo demonstrou a história, às mudanças (políticas, sociais e culturais).

 

Há hoje um claro investimento na musicalidade das tunas estudantis ou tal apenas se confina apenas às tunas ditas de referência? Ou seja, há ou não hoje uma clara relação custo/beneficio entre a música e a projecção de uma determinada tuna? Porquê?

 

Como já referido, a bitola, hoje, é a da qualidade que visa o retorno da premiação.
É indesmentível a enorme evolução qualitativa, em termos musicais, mas tem-no sido, quase sempre, às custas de tudo o resto, em clara clivagem com as tunas de início do boom, caracterizadas, é certo, pelo seu maior "amadorismo" interpretativo (por vezes bacoco - já que estamos a falar de grupos musicais), mas mais próximas do "correr la tuna", de uma espontaneidade que foi perdendo, da presença regular fora dos teatros.
Hoje temos tunas no tempo de ensaio e nos 25 minutos de produção em palco. Fora isso, pouco se conjuga o verbo tunar.


Por isso me parece claro que o que sustenta a Tuna, hoje (e de há uns anos a esta parte), é a competição, sem a qual a larga maioria das Tunas desapareceria rapidamente (também com o contributo de Bolonha).

 


Há, no teu entender, um cavalgar da história das tunas mais antigas nacionais e por aí se ficam ou, pelo oposto, esse cavalgar deverá ser acompanhado por uma efectiva postura vanguardista a todo o momento? Não haverá muito "Em 1800 nós já cá estávamos" e pouca novidade de facto? Ou discordas?

 

O problema, a meu ver, é que se cavalgou apenas a sela, sem haver cavalo.
Assim, e por falta das tais raízes, encontramos a sela numa moto ou no chassi de um autocarro de dois andares, num verdadeiro upgrade à "Arte de bem cavalgar bem toda a sela" de D. Duarte, o Eloquente.


E se alguns ainda têm a imagem do cavalo, algum cliché ou esparsos relatos de como ele era, muitos outros nem sequer fazem ideia, achando que uma estrebaria é oficina de F1.
É preciso conhecer para se perceber. Só então se respeita e preserva.

 


Quando "Pasa la Tuna" por ti no Rossio (de Viseu), é mais "Viseu Menina" ou preferes os "Sinos da Sé?"

 

Sinceramente, nenhum dos dois.Na minha Playlist incluiria, antes, um "Ai Viseu" (porventura o tema que melhor retrata a cidade e suas gentes), o qual, embora criado fora do meio tunante, foi rapidamente adoptado pela generalidade das tunas da cidade.

 

A Praxe é indubitavelmente um dos genes do "Boom" tuneril de idos de 80/90 do Século XX. Mas será assim tão importante e pertinente para aquilo que é, hoje, a Tuna estudantil?

 

A Praxe foi, sem sombra de dúvida, o rastilho para o "boom". Foi a reabilitação das tradições académicas que impulsionou a recriação das tunas, onde os fundadores das mesmas eram, quase sempre, os mesmos protagonistas que encontrávamos nos grupos que reimplantaram as ditas tradições académicas.


Muito daquilo que a Tuna é hoje, na sua estrutura interna, no relacionamento hierárquico, na adopção da capa e batina ou traje em vigor na instituição, se deve, precisamente, à influência da Praxe, entremeada com a cópia avulso do exemplo das tunas do país vizinho.
Deve-se, contudo, não cair no erro crasso e acéfalo de confundir Praxe e Tunas, pois são coisas totalmente distintas. Fazê-lo é prova de ignorância e criar espaço à asneirada.


Quem percebe de Tunas, sabe que a Praxe não é da sua esfera.Quem percebe de Praxe, sabe que as Tunas não são da sua competência. Quem tem dois dedos de testa, e algum saber, não precisa saber muito de Tunas ou Praxe para chegar a mesma conclusão.

A Tuna já existiam antes da Praxe, dos códigos e dos conselhos de veteranos, e subsiste sem precisar da Praxe para coisa nenhuma.O que se deve promover, isso sim, é a cooperação e união de esforços para dignificara imagem e cultura estudantil.


Que caminhos vês, hoje, para a tuna estudantil portuguesa? E porque razões trilharão este ou aquele caminho?

 

Eu não antevejo um futuro risonho, para a maioria das Tunas, nos próximos tempos, tendo em conta o contexto económico, a falta de verbas e a redução drástica de adesão dos estudantes.
O processo de Bolonha veio, também ele, complicar, de sobremaneira, estas contas.
Contudo, julgo que esta conjuntura se estabelece precisamente num ponto que já era de rotura, pois as Tunas deixaram de ser novidade, começando a antever-se a previsível selecção natural.
Julgo que vingarão as Tunas que souberem preservar a identidade e não caírem na tentação de ir atrás de modas e invenções.


O que é bom e genuíno, aquilo que não segue a ideia da evolução, feito novelas a metro para o povo aplaudir, resistirá ao tempo e às intempéries, porque o que é bom é intemporal.
Hoje ainda se toca Wagner ou Chopin, Bach ou Mozart, ainda temos orquestras clássicas, filarmónicas, quartetos de câmara, coros gregorianos, ranchos ou grupos de música popular, porque com raízes sólidas, porque não desvirtuaram nem se travestiram para agradar, mantendo o seu espaço, entre as muitas outras formas musicais e culturais; convivendo com todas, sem contudo querer fazer outro papel que não o seu.

 


"Amores de Estudante" ou "Borboletas"?

"Amores de Estudante", com certeza.

 


Finalmente, como vês o PortugalTunas e sua missão informativa e formativa. É relevante? Como, onde e porquê ?, em caso afirmativo.


Existe, claramente, a meu ver, um "antes" do PortugalTunas e um "depois.
Um "antes" onde o debate a informação sobre tunas, a discussão e partilha de preocupações e saberes ocorria esporadicamente, e de forma circunscrita, nos encontros e certames (nas conversas "de café"), e por aí se ficando, sem que tal se traduzisse numa consciência e aproximação global e transversal a toda a comunidade.
Um "depois" em que, com o surgimento do portal, se foram criando espaços comuns e a informação passou a chegar, cada vez mais, a todos, suscitando, consequentemente, a curiosidade em saber mais, na procura de respostas e em debater pontos de vista.

O "PTunas" foi, também ele, em primeira instância, a promotor da investigação e do conhecer melhor quem somos e de onde vimos, a partir das inúmeras questões e discussões que o seu fórum ou artigos de opinião permitiram, bem como abrir espaço, e oportunidade, ao reencontro entre antigas e actuais gerações, e, até, como meio de fazer, ou estreitar, amizades.
Não fora o" PTunas" e a nossa comunidade viveria, ainda, muito mais em ilhas e ilhéus.

Não existe, hoje, nenhum website tão completo (apesar de ainda carente de muitos dados e, por isso, com ampla margem de progresso) sobre a Tuna em Portugal; aliás, não existe nenhum outro em Portugal, o que não deixa de até ser curioso e...... indício de uma certa pobreza neste capítulo.


O desafio que se coloca, actualmente, na minha opinião, é o portal conseguir não cair na tentação de ir atrás "das modas", e fazer um pouco de contra-corrente, face ao afunilado interesse que os tunos, hoje, nele, depositam: anúncio, procura de resultados e reportagem de certames. O desafio passará por incidir mais naquilo que possa, porventura, fazer mais falta a quem quer estar informado, mas, acima de tudo, mais formado, oferecendo outras opções e centros de interesse sobre a Tuna e sobre as várias realidades que com ela se cruzam.
Tal passará, parece-me claro, por conjugar outras plataformas comunicativas e anexar outras formas de prestação deste serviço.


Seja como for, e olhando para trás, não se pode negar o meritório trabalho feito, mais ainda se recordarmos que ele se vem fazendo de forma altruísta, e a crescente preocupação em melhorar conteúdos.


O Portal será, também, o que os tunos, no geral, para ele contribuírem, sendo porventura hora de uma maior cooperação e participação de todos, ao não nos ficarmos pelo comodismo de dele apenas consumir, pois receberemos mais, quanto mais a ele (e consequentemente a toda a comunidade) dermos também.

 

 

[Entrevista realizada por RT em 19/12/2011, em linha. Pode ser igualmente visualizada no Facebook do PortugalTunas]