Crónica Tunesca III

16-11-2008

Crónica Tunesca III
Não irei, desta feita, debruçar-me sobre qualquer incidência de momento, mas falar de memória.

Fazer memória é dever de todos nós, enquanto estafetas de história e estórias. Todos somos chamados a passar um legado e a transmitir aos vindouros o que recebemos e acrescentamos enquanto protagonistas ou meros narradores homodiegéticos.

Somos o que somos também em função do que outros foram antes de nós e cabe-nos o papel de preservar uma tradição e um registo histórico e vivo das nossas vivências, feitos e experiências. Dizia Arthur Rimbeau que “as pessoas não serão capazes de olhar para a posteridade, se não tiverem em consideração a experiência dos seus antepassados”, o que julgo acertadíssimo.

Falava, há tempos, o meu amigo e distinto Ricardo Tavares, sobre a falta que faz termos um museu, um refúgio e repositório que fizesse, continuamente, a ponte entre a obra feita e a que se vai fazendo. Falava, e bem, na necessidade de um lugar-comum que recebesse a nossa história, o nosso modus vivendi; que perpetuasse, no tempo, o cunho e a marca que as Tunas imprimem na sua diegese e, por conseguinte, na narrativa tunante nacional.
Mas se, porventura, a existência de um local mítico, de um santuário tunante, inequivocamente transversal a todos, me parece utópico, já o existir de um arquivo histórico, nomeadamente no mundo virtual, assemelha-se-me mais verosímil e exequível. Importa é guardar memória já que o seu papel não é apenas o de conservar simples ideias ou experiências, mas também o de lhe conferir a sua ordem e posição, como nos diz David Hume no seu Tratado sobre a Natureza Humana.
Até à data, nem mesmo o próprio PortugalTunas consegui revestir-se desse estatuto, apesar de possuir, bem sabemos, um já amplo arquivo de eventos, reflexões e documentos.

Os saberes e os factos, os documentos e registos vários (áudios, vídeos, iconográficos, documentais…….) continuam dispersos (sites, blogues, fóruns…) e, muitas vezes, totalmente esquecidos nos baús particulares de muito boa gente ou nos arquivos mortos de muita associação académica ou das próprias tunas.
Urge, de facto, como dizia o Ricardo Tavares, um esforço de compilação e agregação de todo esse legado e material histórico, não apenas com vista à mera divulgação, mas ao próprio estudo do mesmo.

No caso do blogue Notas&Melodias e do “As Minhas Aventuras na Tunolândia”, pelo facto de ambos participarem do projecto conjunto CoSaGaPe, têm já desenvolvido algum esforço, no intuito de oferecer, já, parte do trabalho de investigação e repertoriação do legado e história das nossas Tunas, embora se pretenda a edição de autor (a que concorrem os demais colaboradores do projecto) que um simples blogue não supre.
Ambos os blogues se associaram, também, através dos seus detentores, ao Museo Internacional del Estudiante, não apenas como colaboradores, mas no intuito de trocar e partilhar saberes e materiais que possam, de alguma forma, enriquecer o espólio existente.

Ainda assim, e apesar dos esforços desenvolvidos, falta a maior das colaborações: a dos Tunos, a das Tunas.
Às Tunas assiste o dever de fazer memória, promover e divulgar o que fazem, permitindo um conhecimento mais real e factual das actividades que desenvolve, e do contributo dado à nossa comunidade tunante.
Mas falta muita coisa, Falta um videoteca e audioteca que seja, realmente, abrangente e que, metodicamente compile e dê a conhecer o que se foi fazendo nessas áreas. Falta um arquivo que se possa averbar como cancioneiro ou, pelo menos, depósito organizado de letras, partituras e afins. Falta uma secção iconográfica que passe em revista, também de forma prática e intuitiva, os cartazes de encontros, certames e eventos de cariz tunante.

Falta, é verdade, uma biblioteca e hemeroteca tunante que acolha os muitos documentos, dados, notícias, estudo e ensaios sobre a nossa realidade, sobre a nossa história.
Não basta que eu possua, já, um amplo arquivo, uma vasta colectânea de CDs, centenas de ficheiros de imagem com cartazes, fotos, logótipos…… porque sempre incompleto, porque necessitando de um espaço onde se possa juntar a outras tantas colectâneas e espólios que exasperam por se unir num único propósito, num lugar-comum que merece, que faz falta, que é de justiça existir ao serviço do bem comum, ao dispor da comunidade tunante.
Tenho apenas a registar, com alguma pena minha, a falta de resposta de muitas tunas, aos pedidos feitos para envio de material, cartazes, CDs e outros materiais, quando a finalidade é inequivocamente altruísta.
A conclusão pode ser-nos dada pelo nosso bem conhecido Virgílio Ferreira que nos lembra: “Guarda o passado, se não tens já futuro. Porque se também o perderes, o presente que te restar é o da pia, que não tem tempo algum”.

Fica para reflexão.