Conversas de Verão com Miguel Silva "Migas"
03-08-2016
Miguel Silva - Antes de mais, um muito obrigado... ou talvez não, por já me considerarem um "jurássico" neste mundo tuneril! É realmente uma paixão, toda a envolvência que a Tuna nos proporciona, desde a componente musical à social.
Olhando para o panorama atual, destaco a evolução musical na grande maioria das tunas, o primor por executar cada vez melhor, aliado obviamente da competitividade saudável nos certames, faz a música crescer e com isto conquistar muito do público que se foi perdendo ao longo dos anos. As tunas viveram durante muito tempo para si mesmo, para a sua universidade, para as outras tunas, não fazendo nada para que o público em geral se aficione pela nossa sonoridade. Infelizmente ainda vejo algum descrédito dado pela opinião pública relativamente à nossa música, quando temos claramente temas (entre as várias tunas do país), muito melhor interpretados que muitos dos artistas que preenchem as tardes de domingo, ou os Top's nacionais. A questão é: Porquê isto acontecer? Será culpa nossa de termos motivado a criação desta imagem? Estaremos a fazer tudo para que a nossa música se torne transversal à sociedade?
PT - Que diferenças de monta existem, se é que existem, face aos teus tempos de estudante?
MS - Apesar de ter chegado um pouco tarde face ao boom das tunas em Portugal, sou um interessado nas suas origens e na sua evolução. Cheguei à Tuna TS em 1999, altura em que esta contava com 4 anos de existência. Recordo-me perfeitamente de me sentar nas galerias do Coliseu a apreciar, tanto com admiração como com certa inveja, as tunas que enchiam a sala em certames como FITU e FITUP! Sonhava um dia puder pisar aquele palco e apresentar um espectáculo como as grandes tunas que via. Nessa altura ainda a Internet estava a dar os primeiros passos, os telemóveis eram um luxo para muito poucos, o Youtube ainda não existia e se querias ver tunas ias aos espectáculos! Os ensaios eram vividos como verdadeiros encontros de amigos que gostavam do que faziam, uma vez que eram os únicos momentos que realmente convivíamos e comunicamos (sem o bip-bip das mensagens de Facebook a soar de quando em vez!). Penso que se valorizava muito o contacto pessoal, porque de outra forma não existia!
Hoje em dia, o processo comunicativo sofreu grandes mudanças, não querendo com isto dizer que foram más. O crescimento da Internet, redes sociais, streaming, música/video online permitiram que as tunas chegassem mais longe, a nivel de marketing próprio. Permitiu que o trabalho desenvolvido chegue a mais pessoas interessadas. A utilização "natural" da informática facilita na criação de arranjos musicais e no registo audio-videográfico. Como referi acima, fruto da competitividade saudável entre tunas e da facilidade com que nos ouvimos uns aos outros, as tunas evoluíram e melhoraram os seus reportórios, dando-lhes sonoridades mais complexas e que tentam ir de encontro ao gosto da opinião pública atual, passando também pela inclusão de novos instrumentos não comuns aos anos 90, e que vêm engrandecer os temas.
PT - A Música, sendo a matriz da tuna estudantil por génese, teve ou tem para ti que relevância no contexto da tuna?
MS - Há vários factores que me prendem a esta família, como gosto de lhe chamar. Em primeiro lugar e mais importante, para mim, a amizade existente entre todos, quase fraternal. É incrível ver como o gap geracional não se nota absolutamente nada quando estamos todos juntos (temos miúdos com 17 anos e fundadores ativos com 40!). A nossa filosofia é rapidamente absorvida pelos mais novos! Como costumo dizer, a nós, faz-nos sentir jovens, a eles fá-los crescer rapidamente.
Obviamente que há um objetivo comum, que beneficia desta sinergia, fazer boa música. Acima de tudo, música que cative quem a ouça e seja o mais transversal possível, mantendo o cariz tuneril! Quem nunca viveu aquela sensação de realização quando se põe em prática os arranjos mais rebuscados? A música é fundamental, assim como é fundamental que ela nos diga alguma coisa, nos dê prazer a interpretá-la! E esse prazer passa para quem nos ouve, quando estamos em cima de um palco. E este círculo completa-se quando obtemos do público os aplausos e sorrisos que a nossa musica lhes desperta.
PT - Que caminho ou caminhos vês a Tuna nacional a trilhar?
MS - Creio que as tunas a medio prazo irão passar por alguma instabilidade. Fruto da precariedade que vivemos actualmente, e da necessidade da procura de oportunidades profissionais fora do local onde estudamos e crescemos, daí tornar-se necessário e crucial uma renovação constante. No entanto, de uma forma geral, a qualidade das tunas tem aumentado e penso que com essa premissa se conseguirá o equilíbrio desejado.
Nos tempos que correm exige-se que cada vez mais nos voltemos para fora, para a sociedade, que a nossa música passe para além daquelas barreiras que todos sentimos, que a imagem das tunas se descole de uma vez por todas do estudante universitário bêbado que causa distúrbios. Ajudando causas, criando projetos de intervenção social, promovendo o desenvolvimento pessoal dos elementos integrantes da Tuna, tudo isto são vertentes por onde a Tuna pode e deve crescer.
*Conhecido por Migas, Miguel Silva é Licenciado em Farmácia.
*Entrou para a Tuna TS em 1999, tendo-se tornado Magister em Março de 2005, cargo que manteve até Janeiro de 2016. Continuo membro activo, tendo o bandolim como instrumento eleito.