Visão periférica e social da Tuna

18-06-2009

Visão periférica e social da Tuna
A abordagem da Tuna enquanto grupo social é hoje mais do que pertinente e serve para explicar de forma cabal o que muito de errado, equivocado e enganador pulula no nosso meio.

Hoje a Tuna é vista - e de dentro para fora - como uma forma previlegiada de afirmação por um lado e como capa confortável para, e sob a mesma, se fazer aquilo que nunca se faria em qualquer outra circunstância sem que o mesmo valesse pelo menos uma repreensão, quando deveria a Tuna hoje ser vista - e novamente de dentro para fora - como forma de afirmação de uma cultura única, tradição única, representação do Estudante em sentido geral, com tudo o que isso implica de responsabilidade perante a sociedade.

A Tuna em Portugal com o advento da Democracia e posterior pujança do Ensino Superior derivada de vários factores - desde o "boom" de natalidade dos anos 70 do Século XX passando pelo proliferar de instituições de Ensino Superior numa sociedade cada vez mais liberalizada e liberalizante, entre outros factores de relevância socialmente contextualizados na época - resgata a Tuna como forma de extrapolar o sentir Académico e a representatividade estudantil, assentando na Tradição Académica e misturando esta última com a Tuna que, por força da mesma mistura, se torna Tuna Académica e/ou Universitária.

A forma de organização da Tuna então - salvo raras e pontuais excepções - é assente na Tradição existente então em Espanha - O Magister, o caloiro, o Tesoureiro, o Secretário, etc - e nos poucos exemplos que retomaram as rédeas dessa tal forma de expressão académica através da Tuna. O carácter boémio, académico, despreendido, pujante e jovial, adicionado à novidade que era a Tuna Académica então soma-se a um tempo conhecido que foi como "boom" tunante, onde se dava um pontapé numa pedra e debaixo da mesma saíam 20 Tunas de uma só vez. A forma de "organização" escolhida foi a maravilhosa desorganização que só o Academismo pode proporcionar, com coisas altamente positivas e outras negativas (mais a prazo e não sentidas naquele momento particular de novidade pujante).

Já a visão de fora para dentro, ou seja, de como eram as Tunas então vistas, era de profunda novidade permissiva, expressão novel que representava cada Casa de Altos Estudos numa espécie de continuação do Cortejo se visto pelo lado da representatividade e expressão académico/estudantil, algo também novo e em pleno crescimento então, portanto, não ferido de saturação, cansaço e por tal, despido de sentido critico até (será ver como as Tunas eram vistas pela sociedade civil no dealbar dos anos 90 e como são agora vistas). O terreno era então fertil, despido de qualquer preocupação profilática e ainda por cima, incentivadas eram as Tunas a tudo e mais alguma coisa com o beneplácito da Academia, dos Reitores, dos pais e das mães e já agora de toda a gente incluíndo o próprio contexto politico/social de então. Fartar vilanagem, portanto, onde não havia tempo para pensar a Tuna enquanto tal, sequer. É nesta época que nascem, por força deste contexto, os principais equívocos que abrem precedentes vindouros e é por força deste contexto que os mesmos se explicam, nascem e propagam, pela ausência de tempo para dispender ao espírito auto-critico Tunante até.

Ou seja, era fácil formar uma Tuna pois existiam todos os ingredientes para fazer o cocktail Molotov que se veio a revelar explosivo em alguns casos: Democracia a rodos (confundida com bandalheira...), jovens ávidos por serem universitários, gente ainda mais ávida em fundar Universidades em qualquer sitio que fosse, Estado a pactuar com tal (por oposição a hoje, que as vai fechando), ressurgir das Tradições Académicas em força e o factor novidade (sempre tão belo como enganador se mal gerido).

Ora, torna-se assim evidente que a Tuna já então nada tinha a ver com a Tuna de finais do Século XIX, inicios do Século XX, começando pelo facto de poucas existirem então e que não assentavam seguramente em tal cenário acima descrito. Isto significa desde logo dois tempos completamente distintos a todos os titulos e que, obviamente, condicionam o fenómeno no tempo e espaço. A somar a tudo isto, o resgatar da Tuna nos anos 80 e 90 do Século XX assume dois caminhos claros então: a influência do único modelo de Tuna existente à data - o espanhol, também ele mimetizado na América Central e do Sul - e que foi preconizado principalmente pelas tunas da Academia do Porto e um outro caminho assente na musica popular portuguesa e sua influência seguido pelas Tunas da Academia de Coimbra, respectivamente pela T.U.P. e pela E.U.C., principais impulsionadoras do fenómeno tunante nessa época, logo mimetizadas por todo o país e com o mesmo a seguir ora um caminho, ora outro, porventura casos pontuais existiram de uma mistura de ambas com traços muito próprios.

Actualmente o que se constata é que - e num tempo onde as mudanças sociais se sucedem a um ritmo vertiginoso, levando quase a aferir-se que um ano hoje vale por cinco da década de 90 - os tempos são outros, o meio Universitário nada tem a ver com o de então, o jovem que a ele acede não é o mesmo jovem que chegou caloiro à Faculdade nos anos 90, o tecido Universitário tem outro tipo de comportamentos e prioridades, as Universidades já não estão tão abertas à Tuna como estavam e assim sucessivamente; hoje procura-se passar rapidamente pela Universidade quando antes se vivia (n)a Universidade. E isto muda tudo.

Logo, se a Tuna de hoje ainda assenta em premissas de organização social daquela época, obviamente que estamos perante um problema no que se refere à forma de encarar a própria Tuna desde logo, com claros reflexos no Ser Tuno desde logo. Hoje, resfriados os animos do "boom" já se pensa a Tuna. Hoje, a Tuna que nos finais dos anos 80, inicios de 90 se regia por metodologias sociais completamente fundidas no ressurgir de então das Tradições Académicas e num contexto de época continua a auto-gerir-se sob as mesmas premissas de organização social, sendo que a esmagadora maioria nem sequer possui regulamento interno ou estatutos, não é tão pouco uma associação autónoma devidamente registada em sede própria, ou seja, vive num mundo de hoje sob regras de antes. Pode e deve aproveitar as que melhor a servem mas não apenas viver nessas, devendo adaptar-se aos tempos de hoje. Essa sim seria a verdadeira inovação a que as Tunas deveriam estar comprometidas.

Porque não ocorre tal? Pelo simples facto de que o ponto fulcral da existência da Tuna hoje, no actual contexto, assenta na música e na procura insaciável e única de excelência musical, descurando tudo o resto que faz a Tuna por génese. Por isso é que socialmente a Tuna de hoje sobrevive e segue porque apenas tem como único ponto de sustentação a música. Pergunto: Havia mais Tunas a fazer Serenatas naqueles tempos ou será que hoje há mais Tunas a fazer Serenatas? Pergunto: o que movia a Tuna então numa época em que certames eram 20% e o resto fazia 80% da actividade da Tuna? O que movia essa gente então, os trintões a puxar prós quarenta, de hoje?

E por mais incrivel que possa parecer, é a música e a procura da sua excelência interpretativa que hoje move, gere e até mais afirmo, "organiza" socialmente a Tuna, desfigurando-a completamente enquanto tal e transformando-a num mero grupo para-profissional de música remunerada com, pasme-se, estátuas e diplomas (um absurdo quando alguns gastam verdadeiras fortunas para manter ensaiadores, por exemplo, ou seja pelo ponto de vista meramente comercial é um péssimo negócio gastar muitos euros para obter estatuas com valor facial irrisório).

Ou seja, temos este cenário actualmente: Tunas de hoje com bases de organização social internas de então, portanto, desactualizadas. Para piorar o cenário, resgatam as mesmas quando convém e fazem girar toda a sua estrutura organizativa na reprodução de temas musicais, ponto período (salvaguardo excepções pontuais por conhecidas). É evidente que este Vacatio Legis, ou seja, esta falta de regra, incentiva todo o tipo de fenómenos ditos de Tunantes e obviamente que dificulta o upgrade da Tuna enquanto organização social no seu tecido interno, com claras consequências no plano exterior e no que se refere à sua actividade, representatividade e mais adianto, no que respeita à sua respeitabilidade (passo a redundância) enquanto Tuna. Não se comporta como Tuna, não transmite essa cultura para fora do fenómeno, gira em torno de si mesma por força da competição musical e esquece-se que quem vai ver Tunas espera também ver Tunas e não só ouvir musica, vive organizada socialmente em torno dessa Jihad Musical e é esta que subsidia os actos sociais internos e deixa de lado tudo o resto.

Socialmente a Tuna portuguesa necessita a meu ver de 20% das premissas de então, 20% de adaptação interna aos tempos que vivemos (não confundir com essas invenções que agora andam na moda) e os restantes 60% de bom senso e perspectiva de futuro assente no passado de uma Tradição que somos, devemos reproduzir e essencialmente sentir.

Como alguém disse certa vez, uma Tuna é algo que, um belo dia, nós poderemos levar os nossos país e avós a ver e escutar sem ter de sentir vergonha ou embaraço e no final eles digam que viram e ouviram uma Tuna de facto. Porventura simplista mas mesmo assim, coerente.

Conclúo: Não tem nada a ver a Tuna de finais do Século XIX, inícios do Século XX com a Tuna ressurgida em finais dos anos 80, inícios de 90 do Século passado - e no que se refere à sua organização interna social.
A Tuna de hoje já algo distinta da Tuna do "boom" de finais dos anos 80, inicios de 90, deverá a meu ver procurar sabia e tranquilamente evoluir, reproduzindo o essencial, mantendo o tradicional, adaptando-se no que tem de se adaptar e com tudo isto, rejeitar liminarmente o que não lhe serve, de forma definitiva, dando primazia à Tuna de facto e não a um único factor que ainda por cima é o mesmo - único - factor que serve o Festival da Eurovisão, o Chuva de Estrelas ou a Operação Triunfo.