Crónica Tunesca II

10-10-2008

Crónica Tunesca II

É dia de crónica e, inevitavelmente, comecarei por dizer que, uma vez mais, pudemos assistir, nos meios televisivos, àquilo em que se tem vindo a transformar o rito de rcepção aos caloiros, vulgo “praxes”. Na SIC, mas também na TVI e jornais de tiragem nacional, foi ver e “deliciarmo-nos” com toda a lenha cortada nas universidades pelos pseudo-praxistas, para alimentar o merecido auto de fé que os ávidos jornalistas e comentadores se apressaram a soprar com foles de ferreiro, para gaúdio dos anti-praxe (que esfregam as mãos de contentes, sempre que se lhes oferece tal espectáculo e portefólio de argumentos e razões).


A culpa imputa-se, incontornavelmente, aos praxistas que se colocam a jeito, aos doutores e engenheiros que alegre e orgulhosamente procuram 5 minutos de fama debitando ignorância, aos que nunca perceberam o que é praxe, aos que deixam os ritos entregues a grupos de inergúmenos e delinquentes que, sob a desculpa da praxe, cometem crimes ou atentados à dignidade e inteligência, àqueles cuja vaidade tolhe o espírito e a quem uma câmara de TV deslumbra.
A comunicação social pode empolgar, mas a matéria prima, essa, abunda e é dada de borla pelas próprias academias (e algumas até ficam radiantes por se filmarem as suas patéticas práticas - sim porque sabe-se que a escolha das imagens televisionadas acerta sempre "onde não devia" - ou devia, quiça!).


É certo que ouvir certos comentadores debitarem argumentos apenas sob um prisma muito afunilado (com forte componente da visão jurídica), deixou vontade de perguntar quais os critérios televisivos que constrangem os directores de programas em chamar quem perceba, de facto, também, do assunto (historiadores, sociólogos e outros que se tenham dedicado ao assunto com propriedade) – o que evitaria dizerem-se barbaridades ou inverdades sobre Praxe, sem qualquer correcção ou reposição da verdade.

É certo, também, que ouvir indivíduos trajados de capa e batina afirmando que as praxes são, e passo a citar, “….umas brincadeiras”, apenas confirma o que já expus no anterior artigo que dediquei, precisamente, à Praxe e às ditas “praxes”: brinca-se demasiado com coisas sérias e não se leva a sério aquilo que pode ser feito de forma lúdica (mas não deixa de ser sério).
Dizer que a praxe é uma brincadeira para eufemisar ou em jeito de "- É pá, isto é inofensivo e não é o que parece (porque não é nada)" é mostrar que nem o assumir do rito enquanto res praxis, nem a compreensão daquilo para que serve existe sequer.
Envergonha qualquer um aquilo em que se tornou, actualmente, esta época que deveria ser de alegria, excelência, formação, informação com vista, depois sim, a uma real e profícua integração.
Quando as reitorias se colocam no caricato e impensável papel de querer regrar a praxis, ligada à recepção aos caloiros, é porque algo vai mal, muito mal, na nação académica.
Nunca me pensei a dizer isto, mas se a praxe é isto, se é isto que temos de aturar, se é essa a excelência que têm para oferecer os actuais doutores e engenheiros, então acabe-se com os ritos de integração!

A Praxe não vive só desse momento, porque cheia de muitos outros bem mais importantes. Aliás é uma questão de bom senso, evitando colocar num cesto de fruta sã, uma peça que esteja podre (ou a caminho disso).
Dir-me-ão que os caso citados são extrapolados e que não são a regra. Muito certo, estou ciente disso, contudo também estou ciente que são muitos os casos que não chegam a público e que o mero facto da recepção ao caloiro se ter tornado um circo ou parque de diversões privativo, parece-me suficiente para dizer que basta de brincar por brincar, basta de brincar à praxes.
Ouvir na TV uns marmanjolas de capa e batina (mal trajados ou sem traje, por sinal) a descreverem a praxe, ou as “praxes” neste caso, como umas “brincadeiras” ou uma mera diversão (apenas e só) ………… é sintomático que isto está entregue aos bichos (que não sendo caloiros, conseguem fazer pior figura - quando falam e quando agem).


Do que vi e ouvi, durante estes dias, fica claro que estamos perante um surto grave de ignorância e estupidez e que nas nossas faculdades pululam hordas bárbaras (fora da civilização académica, do sentido de cidadania académica consciente e idónea), empurradas pelas medidas facilitistas do M.E. sem formação, sem classe, sem maturidade.
Os organismos de praxe são inoperantes, fechados em si próprios, sem objectivos que não seja organizar eventos e supervisionar os mesmos, deixando a formação e informação para......... apreensão por cissiparidade, sei lá, deixando à solta muito boa gente que nada sabe; e quando acha que sabe só faz asneira.


Mas este nosso “Setubro” pode alegrar-se com o facto de, pelos lados insulares da Madeira, se ter organizado o I Encontro Regional de Tunantes e Tocadores, o que sempre é uma consolação, mesmo que magra, pela não realização do ENT, neste ano de 2008. Parabéns a quem ainda faz do mester tunante, algo mais do que uma prova olímpica ou um combate em N assaltos, com vista ao título de super-tuna.
Uma falha grave que é, também, sintomática do actual panorama tunante. Os festivais e certames competitivos continuam a nascer como cogumelos e a noção de tuna já pode começar a reescrever-se. A breve prazo, enciclopédias e dicionários colocarão como seu significado o de equipa competitiva ou grupo de desporto musical e o conceito de Tuno como o de coleccionador de troféus e medalhas, ou até de peregrino aos novos santuários tunantes: os palcos dos certames competitivos.

Outubro promete. Promete muitos certames e competição e…….. mais nada, para já!
Não que a competição e o certame não sejam saudáveis (eu gosto de participar, ver e ouvir), mas já se perdeu a noção de que tudo se deve fazer com conta, peso e medida. O exagero é que estragou tudo . O certame trouxe benefícios, mas de resultados demasiado imediatos e perniciosos, pois avivou a ambição desmedida e confundiu-se a ideia de melhorar a qualidade com a necessidade de provar ao mundo que se é melhor que o vizinho do lado (ou até do que qualquer vizinho que seja).

Vive-se um tempo sem regras que antecederá, obrigatoriamente, uma revolução de ideias, já que todos acabarão por se encontrar no acordo mútuo e consensual da necessidade de estipular regras. Tudo a seu tempo. O que foi vaticinado no passado valerá no futuro; os incrédulos anuirão, por fim, por força das circunstâncias e do inevitável, “même que trop tard”.

São tempos de crise, de crise financeira (que também toca a Tuna e os Tunos) o que acinzenta o momento, as ideias, a carteira, os humores.

Hoje estou cinzento, um pouco como o céu que, lá fora, cospe copiosamente.Aconselha-se guarda-chuva e impermeável ao leitor, caso saia de casa que, nestes dias, tem reinado a “chuva molha-tolos”.



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