Entrevista a Nuno Simões

19-12-2012

Entrevista a Nuno Simões

O Portugaltunas, realizou uma entrevista ao Magister e um dos fundadores da Tuna Hélvética, Nuno Simões, que pertenceu durante 9 anos à TEL, e mais tarde fundou a Olissipo. Este senhor, além de um tuno de mão cheia, é um apaixonado pelo espírito tunante. Foi essa conversa enriquecedora que deu tema para este artigo sobre a Tuna Helvética, um autêntico veículo da cultura portuguesa, na Suíça.

 

Em 2009, um grupo de portugueses, antigo tunos, foram viver para a Suíça, e com a vontade de continuar a viver o espírito de tuna no qual estavam inseridos, decidiram fundar a Tuna Helvética. Esta tuna, fundada por Nuno Simões, Lúcia Simões e Dina Santos, é composta por uma maioria de portugueses. Entre as suas fileiras, encontram-se antigos tunos de algumas tunas portuguesas como é o caso da Tuna de Enfermagem de Lisboa, Olissipo, EnfTuna, Viriatuna, Infantuna Cidade de Viseu, Escstunis e Tuna de Veteranos de Viana do Castelo.


Portugaltunas: De onde surgiu a ideia de formar a tuna Helvética?"



Nuno Simões: Ao chegar à Suíça, em 2009, tivemos muitos pedidos de colegas nossos, que nos pediam ajuda para virem trabalhar para cá e quase todos tinham pertencido a tunas. E surgiu a ideia de continuarmos a tocar música de tunas por cá, no início apenas na desportiva. Íamos nos encontrando para conviver e reviver os velhos tempos. No entanto aquilo sabia a pouco e sempre que nos reuníamos para tocar, havia sempre quem pedisse para tocarmos mais ou demonstravam grande apreço pela música que tocávamos. O facto de não serem só portugueses, mas também suíços começou a dar-nos a sensação que seria possível levar isto para um nível mais sério e construído. Foi então que 5 de nós lançamos a ideia de fundar uma tuna na Suíça que nos permitisse divulgar, promover e viver o espírito tunante, pelo qual eramos todos apaixonados. Desses 5, apenas 3 mantiveram a vontade de avançar com o projecto e assim nasceu a Tuna Helvética." 

A tuna Helvética acolheu, também, um italiano que demonstrou uma grande vontade de participar.

 


Portugaltunas: E nesse caso, como é que ele encara a realidade da tradição portuguesa? Achas que já começou a perceber o que é "ser um tuno"?

Nuno Simões: Sim e por vezes com mais participação do que alguns elementos portugueses. A nossa tuna não tem a pertenção de ser uma tuna académica, o nosso objectivo era, e é, promover este estilo musical e esta tradição e por isso abrimos a participação a pessoas que nunca frequentaram um curso superior. Por vezes a crítica que recebemos, é de termos um elemento que não pertenceu ao ensino superior português. Nós queremos dar a todos a oportunidade de viverem isto, e tocarem música portuguesa, estamos aberto à participação de suíços, mas a barreira linguística ainda tem sido um problema, no entanto vários estudantes do ensino superior de cá, que tocam instrumentos de sopro, já mostraram o desejo de se juntarem. Estamos em contacto com Faculdades suíças, para, talvez, poder criar um núcleo tunante cá.

 


Portugaltunas: Em relação a esses contactos, as pessoas têm recebido a ideia com agrado?

 

Nuno Simões: Por cá, existe um desconhecimento quase total em relação à música e a tradição tunante, e por isso o nosso trabalho é árduo. Seria fantástico poder realizar este projecto de afirmação da cultura tunante. Temos como exemplo aquilo que se faz em Cambridge, Pau, na Holanda ou mesmo no Canadá. No nosso próximo encontro estarão presentes representantes de Associações de Estudantes para verem ao vivo as actuações e terem contacto com tunos. Apoiamo-nos também num programa de rádio e actuações em diversos sítios, para a divulgação. O problema é mesmo explicar e mostrar o que se faz de melhor no mundo tunante. Ainda existe um preconceito e desconhecimento muito grande em relação à música portuguesa."

 

 


Esta Tuna vai este ano para a organização do seu segundo festival de tunas, o BOTELHAS. De uma excelente organização, tem sido um projecto muito compensador, que iniciou no ano anterior, nascido da necessidade de querer mostrar a cultura das tunas portuguesas naquele país. Estão a pensar em 2014, organizar o primeiro festival internacional. A Tuna Helvética constitui-se como Associação sem fins lucrativos e tornou o BOTELHAS num evento de beneficência, a cada edição ajuda uma instituição de caridade, no ano passado a receita reverteu a favor da Cáritas, e este ano a favor da Fundação Theodora, que presta apoio a crianças hospitalizadas.



O programa do festival conta com jantares em várias Associações portuguesas, arruadas, e o espectáculo principal no sábado à noite.


"Nuno Simões: A organização é humilde, mas não queremos que falte nada, e por isso garantimos dormida, comida e transporte durante toda a duração do encontro, coisa que nem sempre recebemos em Portugal no festivais e encontros aos quais íamos.



Portugaltunas: Onde conseguem os apoios para a realização do festival?

Nuno Simões: Os apoios mais importantes, curiosamente, vêm da parte das instituições suíças, do que das portuguesas. Todas as grandes empresas portuguesas ou instituições públicas e de representação do estado, têm negado qualquer apoio. Já as instituições suíças tentam sempre ajudar. Por exemplo, a Câmara Municipal de Montreux oferece-nos o som e a sala de espectáculo, a protecção civil baixa o preço do aluguer dos abrigos.

Portugaltunas: Achas que a Suíça é um país que acolhe mais facilmente a cultura dos outros países do que Portugal?

Nuno Simões: Sim, sem dúvida. Aqui dão oportunidades e apostam em nós, mesmo não tendo a mínima ideia do que estamos a falar. Mas depois, nas contas finais, tem de estar tudo muito certinho. Se mostrares seriedade então eles acreditam em ti e apoiam, e nós retribuímos actuando em iniciativas da câmara."


Portugaltunas: E que tipo de público vocês encontram por aí?

Nuno Simões: Acho que é uma questão de perspectiva. Posso por exemplo contar dois episódios que demostram o que podemos encontrar cá. Na nossa primeira actuação, voltamos todos de comboio para casa, à meia-noite. A carruagem estava cheia de viajantes cansados, no entanto alguns pediram para tocarmos alguma coisa para descobrirem o que tocávamos, e demos por nós a tocar de pé no meio do comboio, o que eu achava impossível de acontecer. Como era de esperar, o revisor chegou e pediu para nos calarmos porque era tarde, mas a totalidade dos passageiros gritou com ele e basicamente ele foi expulso dali. Em contrapartida num restaurante português onde ia ser acolhida a Tunabebes que iria actuar e jantar, o público não bateu palmas nem se manifestou. Em relação ao público do festival, já é mais efusivo. Na primeira edição a sala tinha tantos suíços como portugueses e foram todos muito receptivos."

Juntamente com a esposa, Lúcia Simões, são os responsáveis pela Hora Tunante, um programa da Rádio Alma Lusa, uma rádio online, que surgiu como "fruto da paixão de um amador curioso", Hermínio Mendes. Após o convite para falar sobre a tuna Helvética num dos programas, surgiu também o convite para a realização do programa, que decorre semanalmente às quartas-feiras, desde 19 de Setembro de 2011, tornando-se o segundo programa mais seguido daquela rádio. È sem dúvida o programa de rádio sobre tunas mais completo que temos conhecimento, desde os temas musicais que apresentam, aos temas que abordam em cada programa, às entrevistas realizadas.

 


Portugaltunas: De todos os convidados que já passaram pelo programa, quais os que te ficaram na memória?

Nuno Simões: Um deles foi o Luís Caçador, não por ser o primeiro, mas sim pela qualidade do diálogo, foi enriquecedor em todos os pontos. Muitos os tunos da diáspora portuguesa pelo mundo que já entrevistámos em directo desde Londres, Buenos Aires e Suíça. As tunas que já conhecíamos há muitos anos, maioritariamente mistas, deram-nos grandes momentos de partilha e bom humor. As três tunas femininas que entrevistamos (a TFUFP, a TUNAFE e a Tuna D'Elas) cuja simpatia e disponibilidade promoveram momentos muito agradáveis, bem como a Tuna templária, a TUMa e a TUA. Foi excelente poder entrevistar a organização do Tunas in Rio, desde o acampamento, onde fomos trajados, porque íamos a caminho da nossa primeira actuação em Portugal. Existem aqueles que também deixaram lembranças, mas pela arrogância do discurso, prepotência ou auto-satisfação excessiva. Por vezes é difícil ouvir alguém que, por exemplo, diz que representa a única tuna que merece esse nome ou a única que toca música de qualidade.

 


Portugaltunas: Em relação, às tunas portuguesas, agora que estás de "fora", num ambiente mais difícil de levar a cabo a "missão de ser tuno", que conclusões é que tiras, ou que conselhos darias?


Nuno Simões: Fui tuno em Portugal com muito orgulho, fui vice-presidente, Relações Públicas, Magister, Fundador, mas nunca me diverti tanto do que quando era caloiro. Descobri os meus maiores amigos, vivi momentos irrepetíveis e inesquecíveis, até me casei com uma tunante que lá conheci e hei-de baptizar os meus filhos trajados. Tive a minha tuna no casamento da minha irmã e no meu. Foi a tuna que me ensinou muito do que é organizar e pensar em sociedade. Aquilo que vejo nos tunos de hoje é por vezes a perda de uma visão de conjunto, e insistem em discussões e conflitos sobre pormenores que não têm interesse. O que já vi fazer em palco por parte das tunas é digno dos maiores espectáculos, e acho que é um estilo musical que deveria lutar por um reconhecimento justo e uma imagem pública atraente e orgulhosa do que se faz no nosso país, em vez de ser visto como um sub-produto cultural muitas vezes visto com simpatia ou ódio mas nunca com a consciência do seu real valor. O meu sonho é que, se pudesse, um dia, concorrer a Património Imaterial da Humanidade, pois existem tunas em inúmeros países, com uma trama comum que aproxima culturas e povos. Vejo a tuna como muito mais do que música e, de facto, é por vezes difícil explicar o que sentimos quando trajamos e partilhamos o palco com companheiros de luta. Quando vou a Portugal e me encontro com uma qualquer Tuna (pois a Tuna Helvética tem uma "embaixada" em Lisboa), gosto de ouvir as histórias deles, as vitórias e as aventuras, e aí parece que falamos uma língua apenas percebida por quem vive isto. Não posso deixar de sentir que, aqueles que passaram ao lado disto durante os tempos de faculdade, deixaram passar ao lado uma grande oportunidade de viver plenamente esse tempo. Quando encontro o cônsul de Portugal na Suíça, e ele olha para o meu traje com aquele sorriso de canto,irónico, sinto que estou a olhar para o abismo da ignorância daquele indivíduo. Quantos grupos cantam e constroem música de forma tão altruísta e com o desejo de enaltecer e cantar uma região, um país, um curso, uma tradição? Cabe a quem sabe, e quem gosta de formar, convencer e demonstrar. Mesmo que seja inglório, havemos de conseguir escrever a palavra Tuna no monumento da música e da cultura portuguesa."

 



O Portugaltunas quer agradecer ao Nuno Simões pela disponibilidade, e à Tuna Helvética, por serem um autêntico veículo da cultura tunante portuguesa, lá fora. Continuem o bom trabalho que têm realizado, as tunas agradecem!