Em Linha com......Paulo Cunha Martins

24-01-2012

Em Linha com......Paulo Cunha Martins

Fomos conversar com o "Paulão" da EUC, nestas andanças desde 1987. Amante de raguebi também, não resistimos a um lineout de perguntas, quer em scrum quer em ruck, num constante handling de opiniões que culmina no necessário try....

 

 

[ PTunas] Como "Estudantino" e Tuno já reformado, conhecedor do meio tuneril nacional, como fazes, hoje, a natural e inevitável comparação entre o que éramos e o que somos, hoje?

 

[ PCM] O Processo é gradativo. Não julgo um "éramos" e um "somos" descontextualizado das respectivas marcas temporais. Considero o fenómeno do ponto de vista geracional um parceiro da história das mentalidades. Se noutro plano podemos epitetar as gerações de "bleach", "net", "Y", "à rasca", etc, etc., consoante a maré dos seus hábitos e vontades, também a Tuna reflecte o pensar e o sentir de cada geração. Quando entrei para a Estudantina Universitária em 1987, não me passava pela cabeça que a frase mais utilizada e mais comum a todas as Tunas viesse a ser: "desliguem os telemóveis". E depois de conviver com tais aparelhos, ver a sua utilização para a afinação de cordofones...como a vida, a Tuna seguiu o seu caminho. Olho para os Tunos de hoje, na exacta medida da sua geração e respectivo incremento social.

 

Até que ponto é pertinente na tua opinião a edição de um livro sobre Tunas estudantis em Portugal? Ou seja, será que esta obra terá mais repercussões para lá do seu próprio habitat?

 

A pertinência é total. Tanto mais que dependeu apenas e só da impertinência de quatro impertinentes...lol. Preferia falar não de pertinência, mas sim de oportunidade.Tenho para mim que a necessidade de efectivação desta obra surgiu no espírito, tipo "último dos moicanos"." Vamos fazer antes que esta fantástica aventura se perca" - quase que me antecipo ao pensamento dos seus autores, meus "compagnons de route" todos eles.
Confesso a minha curiosidade para com o canhânho.
A repercussão da obra é matéria sobre a qual nem gastarei um minuto a considerar, tanto mais que tenciono gastar todos os que disponho no deleite da sua leitura. À confiança.


Coimbra "ainda é Coimbra" ou nem por isso? As Tunas da "Lusa Atenas" provam o oposto ou, pelo contrário, reafirmam a sua própria genética que lhes é tão peculiar?

 

António Almeida Santos escreveu um dia que "Coimbra não deve ser vista com os olhos com os quais se partiu, mas sim com aqueles que se regressa". O glosar e desacreditar a velha postura de que "no meu tempo é que era". Nunca abandonei Coimbra, apesar de já a ter posto em causa diversas vezes. Espero acabar aqui a minha vida, sempre com a Estudantina Universitária e respectiva Secção de Fado por perto. Hoje, como Antigo Orfeonista mantenho o meu estatuto de associativo e não tenho intenção de dele abdicar. É assim que sou e assim me sinto feliz.
Em relação às Tunas de Coimbra, devo dizer que conheço melhor umas que outras. Membro inexorável da Estudantina Universitária, não me sinto muito à vontade no opinar acerca de terceiros.
Independentemente disso considero a Tuna de Coimbra demasiado conservadora, agarrada a determinados dogmas que historicamente nunca foram dela e criando estórias sobre aventuras que nunca aconteceram. (só de pensar que o primeiro contrabaixo a entrar numa Tuna de Coimbra - TAUC à parte - foi na Estudantina Universitária e só aconteceu em 1997 e que ainda hoje a Fan-Farra Académica confessamente não o perfilha.por opção...)


Falo também da procura incessante do original, da sua imaculação como se de purga se tratasse, tão característico da Tuna coimbrã. Já por diversas vezes senti que em Coimbra, o mau original transcende o bom gosto apenas e só por sê-lo. A cópia, versão ou couver é facilmente herectizada.

Certo, certo é que se ouve a Madalena pelos quatro cantos da cidade...ninguém a toca, mas todos a sabem tocar...Verifico para meu agrado, que este modelo tem sido frequentemente ultrapassado pela Estudantina Universitária, sua percursora, a qual hoje definitivamente adulta se projecta para níveis de realização musical bastante díspares dos dos outros grupos aos quais serviu de inspiração, excepção feita à novel Estudantina Feminina.Para melhor ou para pior, depende da fantasia de quem julga.

 

Há hoje um claro investimento na musicalidade das tunas estudantis ou tal apenas se confina às tunas ditas de referência? Ou seja, há ou não hoje uma clara relação custo/beneficio entre a música e a projecção de uma determinada tuna? Porquê?

 

Tunas de referência? Sim, existem. Mas só historicamente e ao nível da sua significância para memória colectiva. As vitaminas do sonho associativo. Nada mais que isso, muito menos sobre questões que demonstrem no terreno musical o que é ser referência.
E aqui pego abertamente na realidade da minha Tuna. A EUC hoje é um grupo que como nunca antes, e aqui falo de cátedra, conseguiu juntar ao companheirismo uma apreciável qualidade performante. Habituada a viver debaixo do tão característico estandarte, percebeu que tudo se degrada e que a valoração só se obtém com determinado tipo de postura. Pelo que sei, fartou-se de trabalhar. Tornou-se companheira e com o sentido de espectáculo que se precisa.
Orgulho-me muito desta geração. São referência? Esperemos que sim. Se o forem para os vindouros, então poderão dar o dever como satisfatoriamente cumprido. Daqui a uns tempos veremos...

 

Há, no teu entender, um cavalgar da história das tunas mais antigas nacionais e por aí se ficam ou, pelo oposto, esse cavalgar deverá ser acompanhado por uma efectiva postura vanguardista a todo o momento? Não haverá muito "Em 1800 nós já cá estávamos" e pouca novidade de facto? Ou discordas?

 

A soneca à sombra da bananeira faz muito já demonstrou onde usa desaguar.
"Eu com as calças do meu pai também sou um homem do caraças". E olha que sei bem do que falo. Como poucos, podes crer. Costuma dize-ser sobre as gerações famíliares, que há uma que erige, outra que herda e cuida. A seguir vem a que esbanja. Acabam como os que julgaram eternamente pobres. A bater à porta dos outros.
A postura vanguardista depende da geração ser mais ínclita ou não. Reparo que há Tunas, independentemente da oportunidade, bom senso ou gosto aturado, tentam apresentar coisas novas as quais têm a ver com a vontade e a motivação dos seus Tunos. É salutar. Outras há que preferem o refúgio cómodo dos seus eternos êxitos. Também não se pode levar a mal. Ao fim e ao cabo trata-se de dar a quem quer ouvir, o devido prémio. É o sentido de espectáculo e a partilha do património.Ao contrário, montar uma música com o nível de arranjos que hoje a Tuna exige, é tarefa para profissionais...e nem todas os têm nas suas folhas de pagamento. Umas porque não podem, outras porque ainda disfrutam do gozo da manufacturação. Um misto das duas coisas é o pretendido.


A "tua" Estudantina Universitária de Coimbra é, obrigatoriamente, um marco incontornável no panorama nacional. "Assim mesmo é que é" e basta ou então uma "Tentação" para o futuro? Ou então um "Traçadinho" de ambas? 

 

"Assim mesmo é que é" não é "Tentação" para beber "Traçadinho" nenhum! Já foi. Foi um tempo. Muito bom, por sinal. No entanto nem pago o repetia, a não ser pelas faculdades físicas da altura. Uiui!
Hoje revejo-me muito mais numa belíssima "Serenata do Mondego" à luz de uma monumental "Senhora Lua" num "Momento Fugaz" a fazer a "Ronda das Mafarricas" e descansar finalmente ouvindo ao longe uma "Maria" verter uma lágrima de enternecimento numa noite de "Dezembro".
Coisas muito boas e algo desconhecidas do grande público, não faltam à Estudantina Universitária, o "Meu Primeiro Amor".

Mas isto é a minha modesta opinião, tanto mais que sei no meu grupo existir uma grande variedade de gostos e tendências. Afinal é na diversidade que se constrói a qualidade. Longe de mim macular temas e seus autores, os quais muito estimo e admiro.

 

A Praxe é indubitavelmente um dos genes do "boom" tuneril de idos de 80/90 do Século XX. Mas será assim tão importante e pertinente para aquilo que é, hoje, a Tuna estudantil?

 

Tanta tinta já se verteu a falar deste assunto que a resposta é invariavelmente a mesma: Hoje por hoje é totalmente descabido misturar Tunas com estruturas da Praxe. Não com a Praxe. Ela é tão natural dentro de uma Tuna como a sede. Saber distinguir as coisas é primordial. Praxe dentro da Tuna, se a houver, é para os Tunos e fica na Tuna. Praxe na Escola, se a houver, é para os representantes da Praxe da respectiva Instituição e para quem a ela se sinta sujeito.Tunos incluídos, despojados do seu estatuto e investidos na sua condição de estudante praxista.. Mais que isto é cangalhada.

 

Como vês as actuais Tunas nacionais estudantis e que te apraz dizer sobre elas, ao fim de duas décadas destas coisas?

 

Vejo-as a travar um árduo combate. Se por um lado a Tuna Nacional ostenta uma invejável forma ao nível do desempenho, o seu reconhecimento é cada vez mais vulgarizado e refém de uma imagem preconceituosa e, atrevo-me, alvo de exclusão.
O que gerou este download de apelidação face ao Tuno e à Tuna levar-nos-ia a intermináveis conversas. Se não foram tidas no passado, quando aos debutantes se poderia pedir sindicância, não creio que agora a oportunidade seja a melhor. Espanha fez-nos, refez-nos, e foi exemplo vivo do mau acabar. Ao contrário de aprender com os erros e equívocos que a Tuna espanhola conheceu, sinto uma espécie de atracção fatal para igual desígnio.
Uma coisa é certa, tal como em Espanha, algo de bom ficará. Mais tarde ou mais cedo quem descobrir o espelho que insiste em recusar mirar-se, ou faz a auto-crítica e muda, ou então fica vetado ao folclore tunante. Daquele que para o qual já não há paciência.

 

Preferes a "Madalena" mas "Á meia-noite ao Luar" ou um "Clavelitos" cantado ao ouvido da "Amorosa Guajira"? Ainda temos Tordesilhas no subconsciente ou não se justifica de todo?


Não sei porquê mas creio que algum do fascínio recíproco que existia entre os dois lados da fronteira, esfumou-se. A ida frequente a Espanha para Certames, Festivaisé miragem.As idas a Certames em Espanha passam a ser notícia tal a sua raridade.A Tuna Portuguesa é muito mais importadora que exportadora. Mal ou bem, cá o fenómeno ainda mexe semanalmente. Lá o que sabemos?
Pessoalmente tive a sorte de viver intensamente a Tuna do país vizinho, tão inspiradora para nós. Juntava-se a fome com a vontade de comer. De um lado séculos de tradição tunante escarrapachados à nossa frente. Do outro, do de cá, uma cultura milenar de saber receber e dar a camisa, aliado a um bairrismo maravilhosamente provinciano e competitivo.
Penso muitas vezes que a nossa dealba, adiou condicionalmente o ocaso do "boom" espanhol.
Uma coisa é certa, está na altura de descobrirmos novas gentes que cultivem este mágico fenómeno. Não está escrito em lado nenhum que a Tuna terá de ser exclusiva de uma latinidade ibérica e sucedâneos.  A globalização é um facto. Porque não?
Concretamente, e voltando à questão das preferências permite-me mudar de variável. Que tal umas "Imagenes d'Ayer" a abrir o pano para "Doce Feitiço"? Ou talvez uma "Manhã de Carnaval" com "Sabor à Mi". Quem sabe. Sem Tordesilhas, de todo.


Finalmente, como vês o PortugalTunas e sua missão informativa e formativa. É relevante? Como, onde e porquê, em caso afirmativo.

 

Claro que é relevante. Refiro-me amiúde ao PT como a folha de couve que mantém viva a chama deste fantástico fenómeno. Também por isso sou crítico face ao seu desempenho. Noto com muita satisfação que o PT começa a assumir uma componente crítica com o recente upgrade na secção de opinião. Opinião também é notícia. Paralelamente esta nova modalidade do "em linha com..." é de facto muito agradável. Fico à espera que seja alargada aos actuais protagonistas os quais gostaria ver confrontados com aspectos concretos que sabemos passarem-se no meio. Sabendo que a participação no Fórum está muito circunscrita, nada melhor do que ir buscar o peixe à sua própria toca...O debate e a controvérsia são formativos. Disso não tenho dúvidas. Pois então que avance.