Conversas de Verão com Luis Fernandes
14-09-2015
P- Como vês, enquanto "jurássico", o actual panorama tuneril nacional? Que pontos podes abordar sobre?
O actual panorama nacional pauta-se por uma grande e constante incerteza não só ao nível de quantidade como também da qualidade.
Sempre que penso neste assunto, a palavra que me ocorre, sistematicamente, é sobrevivência. Por um lado, fruto das circunstâncias sócio económicas do nosso país deparamo-nos, nestes últimos 4 anos, com a emigração de alguns tunos antigos. Por outro lado, verifica-se que a entrada de novos elementos nas tunas/estudantinas não só é escassa como, muitas vezes mal aproveitada dado que é crescente e patente o desajuste que se vem verificando com as regras instituídas há mais de 10 anos. Na altura faziam todo o sentido e hoje estão completamente fora dos ideais e valores da juventude de hoje.
Quase que me atrevo a afirmar que estamos perante uma luta desigual entre o passado e o presente o que, inequivocamente, ameaça o futuro de várias tunas.
Importa, portanto, mudar o paradigma. Sendo certo que as mentalidades levam algum tempo a crescer, a amadurecer e a mudar, mais importante do que praxes, ou demonstrações de poder, importa perceber que a coesão é fundamental para o sucesso de uma Tuna. É importante conversar, ouvir atentamente todos os contributos, refletir, ponderar e quando se chegar à decisão, ter a consciência que todos participaram, todos contribuíram na definição de novos rumos onde todos se sintam integrados e onde todos cresçam conjuntamente.
P - Que diferenças de monta existem, se é que existem, face aos teus tempos de estudante?
Aquela que considero mais visível e mais ingrata é a actual situação do país.
As propinas mais caras, a carístia da vida, a diminuição de rendimentos nas famílias, provocam de per si uma instabilidade ou nervosismo familiar que se manifesta nos estudantes.
Os pais fazem um esforço tremendo para garantir a formação superior dos seus filhos mas, obviamente, que os pressionam para que terminem rapidamente os seus estudos e mesmo quando assim não é, os próprios estudantes têm a consciência do esforço dos pais.
Inevitavelmente esta pressão, esta insegurança manifesta-se na vida dos estudantes. Quase todos acabam por estudar e trabalhar, deixando de ter tempo para se dedicarem a outras actividades que os enriqueçam culturalmente e que os tornem actores principais na construção de uma sociedade que se deseja mais humana, mais solidaria e mais amiga.
Acresce ao que mencionei anteriormente, a falta de apoio das instituições. Em nome da crise faltam apoios para apoiar.
P - A Música, sendo a matriz da tuna estudantil por génese, teve ou tem para ti que relevância no contexto da tuna?
Costuma-se dizer que a música lava todas as mágoas da alma e da vida, portanto, a música está sempre presente na minha vida.
Para mim, é impensável abandonar a música. E é com ela que eu continuo a ser membro da estudantina.
Faço aqui um pequeno resumo da minha história com a História da EAISEL.
Entrei para a Estudantina Académica do ISEL em Julho de 1998. A minha 1ª actuação foi numa terreola perto de Tomar, em Setembro, e durante esse ano vivi uma realidade de uma estudantina boémia, alegre e bem-disposta. Porém em 1999 a EAISEL passa por uma crise interna, bastante séria. Metade do grupo não queria mudar as músicas e defendia que a base devia ser feita toda na amizade, copos e convívio e a outra metade queria crescer musicalmente. Por falta de comunicação e fraca liderança houve membros de grande talento que saíram do grupo.
Restámos 6 rapazes e na minha cabeça, por uma questão de honra ficou decidido que poderíamos ter um equilíbrio entre a música e a amizade. Contudo, se algum lado tivesse de vencer que fosse sempre o da amizade.
Com metas bem definidas, muita perseverança e com o sentido de honra e respeito pela profissão que estávamos a abraçar, seis futuros engenheiros, com muito empenho e paciência, paulatinamente fomos ganhando membros até chegarmos aos 60 elementos activos.
Sei que esta caminhada que foi feita e pela parte que me toca, muitas vezes solitária, porém estou consciente que foi através da música que se juntaram vontades, pensamentos diferentes e amizades aparentemente impossíveis mas que se tornaram numa mais-valia para todos os que fizeram parte do grupo.
Mais, tenho consciência que todos eles têm gravado, no seu interior, o amor pela tuna.
P - Que caminho ou caminhos vês a Tuna nacional a trilhar?
Há valores que uma tuna tem de ter sempre presentes em si. Diria estatuídos e assimilados: a lealdade, a honestidade e a frontalidade e o sentido de responsabilidade.
Sem querer ser derrotista, adivinham-se caminhos duros a menos que os valores mencionados sejam uma constante.
Quando se erra temos ter a coragem de assumir e de tentar corrigir o erro; quando um está em apuros, o grupo une-se e ajuda; quando há problemas, o grupo reúne-se e discute frontalmente porque é assim que se resolvem os problemas e infelizmente não é isso que eu tenho vindo a observar.
Cada vez mais há mesquinhez, falta de camaradagem, falta de solidariedade e de espirito de grupo. Uma tuna não pode viver de esquemas obscuros. Não pode haver grupos dentro do grupo. Uma tuna tem de ter um corpo, uma alma e a união de múltiplas vozes.
Portanto, depende dos tunos. Cabe aos tunos de hoje em dia, reflectir e fazer um esforço para fazer com que a magia das tunas não se perca.
A Tuna Nacional depende da sinceridade, da lealdade, do esforço e do compromisso que cada um de nós imprime ao grupo.
Cabe a todos os tunos a responsabilidade de fazer com que a História das Tunas deste país não se dissolva nas histórias pessoais.
Cabe a todos os tunos a responsabilidade de continuar a fazer História na História das Tunas.
Luis Fernandes é Licenciado em Engenharia Mecânica no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Magister da Estudantina Académica do ISEL de 2000 a 2006 e Vice-Presidente da Tuna Mística de Portugal. Elemento ativo na Organização do I ao XI ESTUDANTINO – Festival Internacional de Tunas Universitárias do ISEL, 2003 a 2013.