Conversas de Verão com Carlos Branquinho

17-07-2015

Conversas de Verão com Carlos Branquinho

P- Como vês, enquanto "jurássico", o actual panorama tuneril nacional? Que pontos podes abordar sobre?

CB - Essa do “jurássico” teve piada. De facto, já lá vão uns anitos desde o início desta aventura e às vezes nem sequer me apercebo disso…

No entanto, tentando fazer o exercício de olhar “de fora” (na medida do possível) verifico nos nossos dias uma preocupação extraordinária na qualidade musical e de toda a envolvente cénica que envolvem o espectáculo das chamadas “tunas de topo” (expressão que não me agrada particularmente, mas que, nesta asserção ajuda muito).

Isto não é mau de todo, se atendermos ao espectáculo apresentado em palco, o público, conhecedor ou não do fenómeno tuneril, só pode sentir o seu dinheiro e tempo como bem empregue.

No entanto, a “febre do prémio”, do reconhecimento “inter pares” e a obsessão em fazer parte do grupinho restrito das tunas que são convidadas para os “festivais de referência” é tal que se coloca de parte alguns dos benefícios mais gratificantes de pertencer a uma tuna. Falo da possibilidade de ir por esse país fora, actuando por essas cidades, vilas e aldeias em arraiais populares, onde somos recebidos com uma generosidade desmedida e onde se sente a verdadeira simpatia do nosso povo.

Outra coisa que se nota, nas tunas que seguem esta via é o seu divórcio com a rua e com a tasca, os quais, na minha modesta opinião, deviam ser o seu habitat natural e que estão em grande parte na sua génese, especialmente no que à rua diz respeito.

No outro extremo, temos outros grupos que dão a ideia de se quererem afirmar por serem exactamente a antítese dos anteriores, chegando mesmo ao ponto de se esquecerem que uma tuna, pela sua natureza, é, antes de mais, um grupo musical e não um grupo de bêbados ou de palhaços (sem qualquer desprimor para os palhaços profissionais). Convenhamos que, se uma comissão de organização de festas (por exemplo) quisesse um grupo de bêbados, não precisava contratar uma tuna, pagando cachet, deslocação, comida e bebida, teria matéria prima suficiente no arraial (a qual até pagaria para o fazer)…

Entre estes dois extremos temos outros grupos que são tidos como “os tipos porreiros” e aqueles que têm “muito espírito” (se bem que, ao fim destes anos todos nunca cheguei a conhecer pessoalmente esse tão propalado “espírito”).

São aqueles que todos identificam como mais próximos do “Ideal da Tuna” e que, como tal pouco mais podem almejar do que o prémio de tuna mais tuna nos festivais e que, como tal, dificilmente serão convidados para os principais festivais, pois aparentemente não levam a vertente musical e de prestação em palco suficientemente a sério.

Será que tal é verdadeiro? Duvido, pois sei que nessas tunas também se trabalha a sério, mas que faltam oportunidades a esses grupos, lá isso faltam.

Seja como for, no geral, não se trata de grupos de deem primazia ao reconhecimento festivaleiro. Os seus elementos têm conhecimento da efémera que é a sua passagem pelo meio académico, e tentam ao máximo aproveitar e benefício próprio esse tempo. Não deixam de ensaiar por esse motivo, no entanto, não circunscrevem o seu estar na tuna e na Academia apenas a isso.

Querer isto dizer que não trabalham? Claro que não. Têm é uma forma diferente de passar o tempo na sua tuna.

Serão melhores ou piores? Naturalmente que, em termos musicais (salvo alguns super-dotados, que os haverá sempre) dificilmente serão melhores que os “de topo”, mas de resto, são apenas diferentes. E creio que se sentem muito bem com isso.

Fora isto, e em todos os grupos que indiquei, há um fenómeno, que não é novo, mas que é sempre preocupante. Sendo a tuna, primordialmente, uma manifestação artística, não deixa de surpreender que haja quem a utilize para outros propósitos, sejam eles políticos, sejam eles praxísticos. Mas isto são já contas de outro rosário.

 

P - Que diferenças de monta existem, se é que existem, face aos teus tempos de estudante?

CB - Desengane-se quem pense que faço parte daquele grupo de pessoas que tende a ver só virtudes no que fez e defeitos no que os outros fazem. Essa expressão de “ah, no meu tempo é que era”, não entra no meu léxico, até porque, o meu tempo é também o de hoje, porque tentei sempre ao máximo por “ir na crista da onda” e, mesmo estando longe, faço o máximo por me mostrar presente.

Isto origina um grande problema para uma análise como a que me pedes: é que, estando ao máximo presente, as coisas parecem evoluir naturalmente.

No entanto, como durante muito tempo fui muito mais espectador do que actuante, alguma coisa posso ter retido do que vi/ouvi. Mas vamos então a esse “meu tempo” (que foi quase a década de 90 toda).

De facto, pouco poderei dizer, por vários motivos.

Em primeiro lugar, no que à formação da tuna diz respeito, as coisas passaram-se de uma forma tão natural que, quando nos apercebemos, o mal já estava feito. O que é certo é que andámos armados em aprendizes de feiticeiro, numa altura em que a informação não abundava nem circulava à velocidade a que hoje estamos habituados.

Creio também não andar muito longe da verdade se disser que esta “navegação à vista” era uma característica maioritária nas tunas da altura.

Hoje em dia, os meios disponíveis são autenticamente de outra galáxia. Não há comparação possível e daí, em grande parte, o salto qualitativo que se deu.

Se há um quarto de século uma tuna de elevada qualidade resultava de o acaso ter juntado num mesmo grupo alguns sobre-dotados e mais uns quantos de músicos razoáveis. Hoje em dia, um punhado de músicos razoáveis com facilidade em pesquisar estão em condições de (com muito trabalho à mistura, bem entendido) apresentar um espectáculo capaz de ombrear com os melhores.

Naturalmente que só é possível chegar onde se chegou graças ao percurso trilhado por essa mesma malta de há 25 anos atrás, os quais se foram sabendo registar o que faziam, bem como, de uma forma mais pessoal, deixar o seu testemunho e/ou se foram mantendo mais ou menos presentes.

Outra nota de relevo está na diminuição dos percursos académicos que o chamado Processo de Bolonha trouxe às nossas universidades.

Se no século XX seria de esperar que os tunos tivessem tempo mais que suficiente para se dedicarem à tuna, nos nossos dias as coisas são substancialmente diferentes e exigem um aperfeiçoamento muito mais rápido.

E aqui vamos desembocar num outro pormenor relevante que é o facto de uma boa parte dos elementos efectivos a actuantes das tunas académicas serem mais antigos estudantes do que actuais. Pior ainda é quando esses antigos se misturam com actuais sem distinção alguma. Verifica-se uma enorme preocupação em identificar em palco os “caloiros” (ou principiantes), mas não se verifica igual preocupação com os antigos estudantes.

Isto pode não parecer importante, no entanto, tal não é verdade, se atendermos ao facto de, por tradição (em especial no que respeita à Tradição Académica Coimbrã) o antigo estudante não usa batina (salvo ocasiões muito especiais de representação da Academia, e que não devem ser banalizadas).

Para terminar, do que vejo/oiço, parece-me que estamos a chegar a um ponto em que já se torna de tal forma difícil inovar que já se opta pela introdução de instrumentos que pouco ou nada terão que ver com a matriz identitária da tuna. Como sabemos, a tuna define-se, tão só, por ser um agrupamento musical que toca determinado tipo de instrumentos. Não se define por outra coisa que não esta.

O mesmo se passa com as bandas filarmónicas portuguesas, por exemplo. Imaginemos que, por absurdo, a Banda Filarmónica de Alguidares de Baixo se lembrava de ter um naipe residente de bandolins. Será que poderíamos continuar a chamar de “filarmónica” a essa banda? Não me parece.

No entanto, assiste-se hoje a um experimentalismo exacerbado no qual a variedade de instrumentos é tal que por vezes fica-se sem saber se determinado agrupamento será mesmo uma tuna, ou se o será só de nome.


P - A Música, sendo a matriz da tuna estudantil por génese, teve ou tem para ti que relevância no contexto da tuna?


Uma tuna é um agrupamento musical, ponto!

Não há tuna sem música, apesar de a música poder sobreviver muito bem sem a tuna.

Agora, se a tuna (em especial a tuna estudantil) é mais do que música? Certamente que é! Há uma maneira de ser e de estar que pode e deve ser associado à tuna estudantil, e disto não nos devemos esquecer. Nisto a tuna, como epifenómeno musical, é diferente das demais tipologias de agrupamentos musicais.

No entanto, tal jamais se deve sobrepor à música. Isto é, se é redutor, como já disse na resposta à primeira questão, reduzir a tuna apenas às sua prestação em palco, muito mais errado é reduzi-la ao comportamento dos seus elementos.

 

P -  Que caminho ou caminhos vês a Tuna nacional a trilhar?


Um grande caminho foi trilhado desde o último “boom” de tunas até aos nossos dias e estamos chegados a um momento de verdadeira encruzilhada, entre a estagnação, ou melhor, a evolução lenta dentro da matriz inicial ou as novas vias trazidas pelo “experimentalismo” de que já falei.

Se formos comparar as prestações verificadas nos idos de 80 ou 90 do século passado com as dos nossos dias (os vídeos esto aí, ao alcance de uns cliques de rato, ou de uns toques no ecrã) apercebemo-nos da enorme diferença entre o que se fazia e como se fazia e o que se faz.

No entanto, esta evolução não pode ser sempre feita à mesma velocidade e, quem a quer manter vê-se obrigado a (ou deixa-se seduzir pelo) seguir pelo caminho do facilitismo que a introdução de novos instrumentos traz consigo. Claro que, seguindo este caminho, esquecemo-nos das nossas origens e, em grande parte, desvirtuamos a matriz essencial do que é a tuna, enquanto manifestação musical que queremos património de todos.

Obviamente, uma evolução baseada na matriz original do que é a tuna é muito mais trabalhosa e lenta, o que não se coaduna, de todo, com o imediatismo dos nossos dias...


Carlos Branquinho.

Licenciado em Economia pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (década de 90 do Século XX). Mestre em Economia Local pela mesma Faculdade. Como praxista destacam-se as participações na Tesoural Tertúlia Irmandade das Sombras.

Membro fundador em 1993 do Coral Quecofónico do Cifrão/Tuna da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

Após a licenciatura participou na Associação dos Antigos Tunos da Universidade de Coimbra, onde integrou o naipe das guitarras na Orquestra Principal e na Orquestra de Tangos tendo participado em diversos périplos triunfais dos quais se destacam o da Austrália os dos arquipélagos da Madeira e Açores.